Eleições, mistificações à volta da vitória de Merkel e previsões para as importantes autárquicas

Domingo passado os partidos de Merkel tiveram um dos seus melhores resultados eleitorais de sempre, mas a verdade é que não atingiram a maioria absoluta e o seu parceiro de coligação ultra-liberal foi obliterado… Mas independentemente do carácter mais ou menos pírrico da vitória, porquê razão têve a CDU/ CSU um tão bom resultado?

A banalidade ou o puro panegírico  (de que este artigo é um óptimo exemplo) foram as normas na análise às eleições. «A Merkel é uma “Estadista”, é uma figura amada pelos alemães e com eles tem uma relação quase maternal (até se falou das mãos e gestos dela…), a forma como lidou com a crise do Euro foi apreciada pelo eleitorado alemão (ou seja ela ganhou porque os Alemães gostaram da forma como ela tratou os PIGS)…» aliás esta última linha de pensamento é mesmo a politicamente mais carregada. Essa linha tem muito mais a ver com a necessidade das elites dos países sob intervenção reforçarem a legitimidade dos seus programas austeritários do que qualquer relação real com o sentimento do eleitorado Alemão.

Porque se Merkel nunca se cansou de pregar a austeridade aos PIIGS (Portugal, Irlanda, Itália, Espanha, Grécia…), já na Alemanha a coisa não foi bem assim… Que medidas de austeridade foram tomadas na Alemanha durante os últimos anos? Em 2010 estava previsto um pacote de medidas a implementar até 2014, mas da pesquisa que fiz fiquei sem perceber se esse pacote (bem suave comparado com as medidas aplicadas aos PIGS) foi de facto implementado ou não, e de que forma (pois as notícias reportam a uma proposta do Governo, não a um pacote legislativo aprovado pelas duas Câmaras Alemãs). Encontrei foi um estudo de 2012 em que se listam as várias medidas de austeridade aplicadas em cada país da União Europeia, eis as medidas aplicadas na Alemanha:

Germany plans on having a balanced budget by 2016. No real austerity measures in the 2012 budget, deficit reduction will be achieved exclusively through growth.

à poix é bébé… alguns dizem que é porque a Merkel é uma estadista e tal e coisa e a crise do euro blá blá blá. Pois a minha tese é de que a vitória Merkeliana tem muito mais haver com o facto de a austeridade pouco ter tocado a Alemanha. Não é que a Alemanha seja um mar de rosas, não. Mas comparativamente está muito melhor e os sacrifícios que o povo Alemão foi sujeito, se é que foi, foram muitíssimo mais suaves do que nas periferias e mesmo noutros países centrais. Ou seja, se se quer admitir que os Alemães caucionaram a política para a zona euro de Merkel, então tem de se assumir que essa política beneficiou a Alemanha e prejudicou os PIIGS, tem de se assumir que a politica de Merkel para a Europa é ditada pela defesa dos interesses da burguesia nacional Alemã que em muitos aspectos é contraditória com os interesses dos povos da periferia.

Finalmente, há um ano ou dois Merkel dirigindo-se aos PIIGS disse qualquer coisa no género: “Já não há questões de política interna nos países da União Europeia”… Bem na Alemanha a politica interna está bem viva e determina muito da política externa… nos PIIGS é que a política interna está muito condicionada pela política externa, pela política europeia, ou seja, pela política interna Alemã. A verdade é que o Euro e a evolução da União Europeia interligaram os vários estados nações europeus de uma forma como nunca antes tinham estado, mas o aprofundar dessas relações não anulou a importância da forma/fórmula estado nação. Não, teve foi um efeito desigual, exacerbando o poder e relevância de uns e diminuindo o de outros.

 Previsões para as importantes autárquicas

Amanhã são as autárquicas, pela primeira vez o povo será chamado a votar desde que o governo terroristó-troikista tomou posse. É verdade que há importantes factores locais que irão condicionar os resultados, mas haverá sempre uma leitura nacional deste resultado e será sempre um importante barómetro para sentir o “pulso à vontade das massas”.

Uma derrota pesada do PSD terá um muito importante impacto. Primeiro irá ser um sinal claro do descontentamento popular para com o rumo que tem sido seguido. Segundo irá afectar a máquina laranja de uma forma como não foi explicitamente afectada até agora, a perda de 20 ou 30 câmaras será um importante golpe numa série de redes clientelares. São muitos empregos, negócios e tachos que vão à vida. É o core da base social de apoio a este governo que será penalizada e sentirá que essa penalização resulta das políticas deste governo Passó-Troikista. Ou seja, dependento da magnitude da derrota, estas eleições autárquicas podem ter um efeito semelhante ao do 15 de Setembro de há um ano atrás.

Para ir além dos discursos fabricados por conveniência e das tentativas de mistificação, nada como nos agarrarmos aos factos. Uma das componentes de qualquer análise minimamente séria dos resultados de amanhã terá de ser a comparação com os resultados de anteriores eleições autárquicas. Abaixo está uma tabela com as presidências de câmara por partido desde 1976, as Câmaras que correspondem a coligações (e.g., PSD-CDS; PS-CDS; PS-CDU-UDP-PSR; AD, etc…) atribuí ao maior partido da coligação.

CamarasMunicipais

Relativamente aos resultados previstos para amanhã, aqui e aqui podem encontrar um repositório de várias sondagens que foram sendo realizadas. Dos 28 concelhos onde foram realizadas sondagens (pelo menos sondagens a que eu tive acesso e estão publicadas nos linkes acima), 18 foram ganhos pelo PSD (sozinho ou coligado) em 2009. Ora, de acordo com as sondagens, o PSD perderá 7 dessas 18 câmaras (e não estou a contar com o Porto), também ganhará uma Câmara adicional no universo das 28 Câmaras onde se realizaram sondagens (Braga). Ou seja, um balanço negativo de seis câmaras. Se se extrapolar este resultado de forma mecânica para as restantes câmaras, o resultado é que no total o PSD irá perder cerca de 46 câmaras, ficando com pouco mais de 90 (que já agora, foi o prognóstico feito por Morais Sarmento há uns tempos). Mas, primeiro as sondagens valem o que valem como muito bem sabem os experts sérios na matéria e segundo não se pode extrapolar mecânicamente os resultados do universo das 28 câmaras onde temos sondagens para as restantes 286 autarquias ( e restantes 121 do PSD).

De qualquer das formas este exercício não deixa de dar uma ideia dos resultados autárquicos no todo nacional e não havendo sondagens para as 308 autarquias sempre é uma projecção do que seria o resultado nacional, caso a dinâmica das 28 autarquias de que temos dados for semelhante ao todo nacional. Podemos assumir que por uma série de razões no todo nacional o desgaste do PSD será menor, pois bem, se esse desgaste for metade do valor que temos, então o PSD irá perder cerca de 23 autarquias e ficar com um resultado próximo do seu pior de sempre, 116 câmaras, perto das 114 que têve em 1989.

Parece-me que não é irrealista pensar que o PSD pode perder 20 ou mais câmaras… Para lá dos números acima temos o facto de em cerca de 150 concelhos os antigos presidentes não concorrerem (sim não são só do PSD, mas o PSD é mais afectado por isso), temos o descontentamento popular que Domingo pode encontrar uma forma de se exprimir e teremos uma imensa abstenção (que afectará mais os partidos do regime). Ter uma previsão quantitativa com rigor à unidade é impossível nesta situação, mas podemos arriscar algumas previsões qualitativas:

– O PSD será derrotado em votos e número de Câmaras e irá perder a liderança da Associação Nacional de Municípios. Isso será sempre uma derrota clara para o PSD e uma vitória clara para o PS;

– Toda a conversa em torno da putativa substituição do Seguro pelo Costa, não passa de isso mesmo, conversa. Muita dela fomentada por aparatchiks do PSD desejosos de desviar as atenções da derrota que irão sofrer;

– A acreditar no artigo do Expresso, a derrota laranja será mais expressiva do que eles estavam à espera;

– Para lá do número de câmaras e votos, existem aspectos qualitativos em certas batalhas específicas, como o caso do Porto. A vitória do candidato de uma certa burguesia pseudo-iluminada portuense apoiado por uma facção do PSD e por todo o CDS poderá amplificar as ondas de choque e as fracturas no PSD que resultarão da derrota nas autárquicas;

– O Governo não se irá demitir no dia seguinte, mas sairá fragilizado deste processo, quão fragilizado dependerá da magnitude da derrota.

Quanto ao PCP/CDU não tenho números disponíveis para mandar qualquer palpite, resta-me desejar que conquistem o máximo de Câmaras possíveis, também isso daria um importante sinal às massas. Veremos…

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4 respostas a Eleições, mistificações à volta da vitória de Merkel e previsões para as importantes autárquicas

  1. Apenas uma observação: centrar a análise dos resultados sobretudo no nº de posições (designadamente Presidências de Câmara) é muito limitado. É útil não confundir influência eleitoral que deve ser medida pelo critério essencial do nº de votos e percentagem com posições alcançadas, já que estas dependem de se ser o mais votado num determinado concelho. Deveria ser óbvio mas talveza valha a pena lembrar que um partido que, por absurdo, tivesse 20% uniformemente à escala nacional, do Minho ao Algarve passando pela ilhas, não conquistaria nem uma única Cãmara.

  2. Antónimo diz:

    Que fofinhos. Em sábado de reflexão eleitoral a RTP, onde Paulo Ferreira faz capatazia pró-psd, o programa do Herman tem José Milhazes como convidado para falar do livro sobre Cunhal.

  3. E depois a austeridade a «fogo lento» que na Alemanha vem sendo aplicada há uns vinte anos… Os trabalhadores alemães – que em termos europeus até já ganhavam bastante bem – há muito tempo que não sabem o que é um aumento.
    Depois lá não há salário mínimo e isso é uma coisas que eles querem impor ao resto do pessoal.
    E depois há também a conversa – muito comum entre os nossos debitadores de opinião – de que «agora que a sra. Merkel ganhou as eleições ela vai modificar “um bocadinho” (dirão alguns…) pois até aqui tinha que discursar (e fazer) relativamente à Europa-PIIGS tendo em atenção o seu leitorado».
    « Agora que já está garantida, a coisa é cacapz de melhorar» (dizem…).
    BEM PODEM ESPERAR SENTADOS…
    A sra. Merkel é mesmo assim… Fundamentalista da austeridade e crente piedosa (…) das sacrossantas «forças do mercado», em particular das forças dos bancos alemães..

  4. Pingback: Eleições Autárquicas – As suas consequências e o diagnóstico que permite da situação politicó-social | cinco dias

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