Vitor Dias e a manipulação da história ao serviço da política

Caro Vitor Dias,

Li o seu “post” de militante exaltado do PCP a procurar estigmatizar um trabalho cujas teses dismistificam a verdade oficial do Partido, que é sempre uma grande mentira, ainda que só oficiosamente os militantes o reconheçam.

Não faço história por encomenda, nem para o PCP nem para o Grupo dos 9 nem para ninguém.
Tenho aliás escolhido temas que de antemão sei que vão provocar a raiva dos vivos, mas em nada me demoveu essa “ameaça”. Escolho estudar a história que acho importante e é muito importante perceber que o PCP queria manter Portugal na esfera da NATO em 1975 porque a sua fidelidade ao aparato soviético era determinante na política do Partido.
Álvaro Cunhal a seguir ao 25 de Novembro diz-se descansado por os oficiais revolucionários – a quem Cunhal chama irresponsáveis e aventureiros –  terem sido controlados, o que permitira ao PCP refazer o acordo com o PS e o Grupo dos 9. Diz mesmo que é altura de refazer o Quadro Permanente das Forças Armadas e diz que os oficiais revolucionários fugiram ao controlo do PCP.A minha afirmação foi retirada dos discursos de Álvaro Cunhal, do comício do PCP no Campo Pequeno a 7 de Dezembro, do livro A Revolução Portuguesa de Álvaro Cunhal e da reunião do comité central do PCP de 13 de Dezembro de 1975.  Não escrevo sobre o passado pressionada pelo presente, embora confesse que me incomoda a sua má educação, de que o seu post é prova evidente. A história não é um instrumento da burocracia partidária, faz-se com fontes, provas e contra provas, definição clara da metodologia, objecto de estudo e teoria.

Os documentos todos que cito estão em acesso livre aqui e fazem parte do meu livro História do PCP na Revolução dos Cravos (Bertrand, 2011) que corresponde à minha tese de doutoramento.

Em vez de escrever com tanta raiva porque não sugere ao PCP abrirem o arquivo?
Cumprimentos
Raquel Varela

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5 respostas a Vitor Dias e a manipulação da história ao serviço da política

  1. Boa tarde, cara Raquel. Sigo com atenção os seus textos e, apesar de não partilharmos os mesmos ideais políticos gosto bastante do que escreve e fico incomodado com o facto de, à semelhança do que é usual em Portugal, as críticas que lhe são feitas quase nunca terem por base as suas ideias mas sim a sua pessoa. Acho isso detestável, torna o ambiente democrático irrespirável como há pouco tempo salientou o Pacheco Pereira.
    O motivo do meu comentário é, no entanto, outro. não compreendo esta frase do texto: “o PCP queria manter Portugal na esfera da NATO em 1975 porque a sua fidelidade ao aparato soviético era determinante na política do Partido”. à primeira vista parece-me uma contradição porque o bloco soviético se opunha à NATO. Pode esclarecer-me, por favor?

    Muito obrigado.

    Ricardo.

  2. Gambino diz:

    É óbvio que tens toda a razão.
    Mesmo para quem não conheça bem as especificidades do Partido Comunista Português, como é o meu caso,a tua afirmação reflecte bem as estratégias globais dos partidos comunistas.

    Basta recuar à formulação Leninista de um partido de revolucionários profissionais – muitas vezes comparada com o blanquismo – e às práticas subsequentes para perceber que os Partidos Comunistas sempre tiveram uma desconfiança profunda em relação a movimentos de esquerda ideologicamente heterogéneos. Os militares revolucionários do PREC eram uma amalgama ideológica extremamente variável, que só o conceito de extrema esquerda parecia ser suficientemente abrangente para os classificar. Segundo a sua linha doutrinária, o PCP só poderia fazer alianças de circunstância com estes grupos, preferindo, quase sempre instrumentalizá-los ou, quando se tornavam demasiado perigosos, persegui-los.

  3. Amiga Raquel
    Saúdo o seu trabalho lúcido, objectivo e polémico como sempre, mas creio que já vai sendo tempo de reflectirmos um pouco sobre o imobilismo que caracteriza o PCP. A meu ver, a razão de ser desse problema radica essencialmente no facto de os seus adeptos considerarem o arsenal teórico do marxismo como o repositório da verdade absoluta e inquestionável, o mesmo se aplicando à palavra dos líderes. Assim sendo, os adeptos do pensamento único avançam para todas as análises e tomadas de posição a partir dessa mesma teoria, dão uma volta (pequena) pelos factos e regressam ao ponto de partida, num movimento intelectual de caracter circular, semelhante ao pensamento escolástico da Idade Média. Creio que todos os que procedem deste modo, isto é, partindo da teoria para os factos, estão por isso mesmo muito mais propensos a escamotear a realidade, a torcê-la, a contorná-la, a ater-se a uns factos e a ignorar todos os outros e, no limite, a ignorar a própria realidade, uma vez que o fulcro do seu pensamento é a teoria. Para estas pessoas, os factos nem sequer interessam, pois pensam que existe algo de muito mais importante, a verdade absoluta contida nos limites do referido arsenal teórico. Deve ser por essa razão que nunca esse partido ou qualquer dos seus adeptos fizeram qualquer esforço no sentido de actualizar a teoria ou tentar a sua adaptação aos tempos modernos. Mostram-se completamente incapazes de reconhecer que existem aspectos que de todo não se encaixam na realidade de hoje, o que é perfeitamente natural, dada a velocidade com que o mundo se vem transformando. Portanto, pensar que o capitalismo de hoje é essencialmente igual ao do tempo de Marx, parece-me um erro grave e apenas serve os interesses desse mesmo sistema que dizem combater. Penso que não se pode combater um inimigo se se começa por desconhecer esse mesmo inimigo. Mais grave ainda. Não só não se conhece bem como ainda se afirma (com alguma arrogância) que se sabe muito bem como funciona. A não ser que, no fundo, não se queira mesmo mudar nada e apenas se pretenda fingir que se luta.
    Zé Manel

    • João diz:

      Se calhar o José Olíveira – que, já se percebeu, tem grande arsenal teórico-analítico – poderia dar uma ajuda a ultrapassar o imobilismo do PCP apresentando momentos, factos, razões ou circunstâncias que sustentem as suas afirmações, por sinal, todas de carácter puramente especulativo.

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