O novo primeiro-ministro

Todo o povo pedia eleições. Bem, quer dizer, nem todo porque a imprensa fez questão de escamotear a situação com a antecipação da silly-season e os opinion-makers de serviço dramatizaram um cenário de eleições. O Verão, por sua vez,  mantém-se quente mas a situação política incendiou a situação financeira portuguesa. Porventura alguém dirá que antecipou esta jogada, mas até eu que escrevi um texto neste blog a alertar para as melhoras da morte fui inundado de esperança. Da iminente defenestração à noite das facas longas, de repente Paulo Portas é o novo primeiro-ministro de Portugal. Não é vice-primeiro-ministro? Do ser ao dever ser vai um gigantesco passo. O líder do CDS-PP conseguiu o seu grande objectivo e vai tentar capitalizar este momento ao máximo para evitar uma futura  marginalização parlamentar do seu partido com base nas recentes sondagens.

Foi uma jogada arriscada. Aposto que Paulo Portas escreverá algo deste género num livro de memórias vindouro. A questão é que até ao momento resultou e na prática controla os dossiers mais importantes da agenda política. Com um possível segundo resgate em preparação sem a participação do FMI, a pasta de negociação com a Troika é bastante relevante e poderá constituir a sua primeira grande vitória. Terá a oportunidade de jogar com o medo de Bruxelas por uma nova crise do Euro e o falhanço do plano português depois do desastre grego. Terá espaço para inverter o caminho seguido até aqui e apostar no investimento e em algum tipo de redução fiscal além do IRC – medida estudada por Lobo Xavier, militante do CDS-PP-, além de beneficiar da saída de Vítor Gaspar e Álvaro Santos Pereira e da entrada do presidente do conselho nacional do seu partido, Pires de Lima para o ministério da economia (também ele um crítico da orientação financeira e económica de Vítor Gaspar). Ficará portanto responsável pelo Qren, pelo estímulo do crédito às PME’s e canalizará os recursos provindos do acordo sobre o Quadro Financeiro Plurianual da União Europeia. Significa isto que Paulo Portas dará por terminada a austeridade? Claro que não. Mas terá mais margem negocial para a  reforma do Estado após o fortalecimento da sua posição no governo. Não me admiraria se, por exemplo, visse a TSU dos pensionistas cair por terra. Não seria também surpresa nenhuma  se procedesse a uma renegociação das metas do défice ou dos juros, para não falar de um perdão significativo da dívida a troco de reformas estruturais no campo dos direitos laborais, na educação, na saúde e na Administração Pública. Resta saber se conseguirá também fruir do programa de privatizações do governo na sua plenitude e exluir António Borges da equação. Se tivermos em conta o seu papel enquanto Ministro dos Negócios Estrangeiros na promoção dos activos nacionais para venda ao estrangeiro, a lógica até seria essa. De qualquer forma as suas funções permitem-lhe influenciar todo esse processo, isso parece evidente.

Mas esta manobra também tem alcance interno no partido. O actual líder, na minha opinião, conseguiu mesmo reforçar a sua posição. Como é que uma oposição demove os votantes de eleger novamente um vice-primeiro-ministro? Acredito que Paulo Portas chegaria bem mais fragilizado ao Congresso na posição em que estava, no quadro de um declínio do país com um agravamento do défice na ordem dos 10,6% e à beira do segundo resgate com a reforma do estado em banho-maria e sem expectativas de influenciar substantivamente a política do governo com a nomeação de Maria Luís Albuquerque para o lugar do ex-ministro das Finanças. Todavia, até à data da sua realização poderão vir à superfície mais dados que comprovem a dimensão partidária do seu maquiavelismo.

A pergunta que se impõe é: aguentará este executivo até 2015? Tenho sinceras dúvidas em relação a isso, embora os acontecimentos estejam em permanente mutação com o surgimento de novos factores bastante dependentes do cenário europeu, principalmente das eleições bávaras, que poderão trazer uma Merkel mais flexível no que concerne aos programas de ajustamento e à relação entre FMI e restantes membros da Troika. Tudo dependerá dos movimentos sociais, da onda de contestação e da ofensiva popular não só aqui mas em toda a União Europeia. Parece-me que esta remodelação não apaga a sua fragilidade, todo este episódio absurdo da demissão irrevogável, o histórico da austeridade e o facto de ter colocado os mercados em polvorosa com os títulos da dívida pública. Definitivamente os líderes dos dois partidos da coligação não ficaram bem na fotografia nem Cavaco terá mais espaço a promover um consenso no seio do governo ao invés de promover eleições. Até António José Seguro terá influência em todo este processo. O governo agora promoverá uma maior abertura ao diálogo com o PS e, principalmente o CDS-PP, tentará aproximar-se das soluções europeias defendidas pelos socialistas como a mutualização da dívida. O objectivo poderá ser o fim da coligação em 2014 com o intuito de reeditar o ano de 1978.

De qualquer modo, esta é uma análise pessimista ou realista conforme as interpretações. A análise das condições objectivas devem ser encaradas com pragmatismo. É-nos mais útil saber que são precisos dois empurrões e não um. Oxalá esteja enganado.

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5 respostas a O novo primeiro-ministro

  1. Mário Machaqueiro diz:

    Um “post” admiravelmente lúcido, que seria interessante confrontar com a análise feita pelo Daniel Oliveira (http://arrastao.org/2855828.html), mais céptico em relação à margem de manobra de Portas. Seja como for, isto significa que a direita conseguiu, uma vez mais, marcar pontos e que nós, à esquerda, ficámos a ver navios enquanto cantávamos vitória prematuramente. Mais um episódio de onde deveríamos extrair as devidas lições se não estivéssemos presos nos nossos sectarismos, nas nossas trincheiras dogmáticas, nas nossas ingenuidades pueris, nos nossos infantilismos políticos, etc., etc., etc.

    • Frederico Aleixo diz:

      Mário, obrigado.

      Agora recupero aquela nossa conversa sobre a necessidade de radicalizar a acção no terreno. Temos mesmo de apressar a queda deste governo. Não podemos estar à espera de saídas institucionais, caso contrário esta situação só terminará quando eles quiserem.

      • Mário Machaqueiro diz:

        Pois, Frederico. O problema é saber como é que isso se faz com eficácia. Não quero parecer mais céptico do que já sou habitualmente, mas receio bem que, com o calor a apertar, o pessoal vai querer é praia e “bejecas”. Depois, em Setembro, apanha com a “reforma do Estado” toda em cima. Ou talvez não. Talvez Portas consiga, por uns tempos, margem de manobra por parte de Bruxelas – que continua empenhada em apresentar Portugal como um caso de “sucesso” das políticas austeritárias – para fazer uma operação de cosmética voltada para o “crescimento”. A verdade é que continuam a faltar-nos dados para analisarmos o que se passa. Ainda não houve um desmentido cabal de que o estado calamitoso das contas públicas seja muito maior do que o que tem sido revelado e que essa terá sido a razão real da demissão de Vítor Gaspar. Se assim for, então este “upgrade” de Portas no governo desafia toda a lógica do que conhecemos sobre a personagem. Ou ele tem cartas na manga que nos escapam ou está a cavar a sua própria sepultura, o que, convenhamos, não se coaduna com o seu perfil de quem não dá ponto sem nó.

        • ataturk diz:

          telefone à cia q os gajos são bons a fazerem ‘revoluções’ coloridas,’primaveras’ e pelo q vemos no Egipto ‘invernos’…Não há por aqui uma ONG???????……………

  2. Rocha diz:

    A Europa é um cemitério de covardes. Cemitério porque estes covardes são mais estáticos e inofensivos que os mortos. O “europeísmo de esquerda” é uma marcha fúnebre que não serve para mais nada que não carpir por entre o desfile da austeridade rumando para a centralização de todo o poder em Berlim e Bruxelas (de facto legitima a austeridade ao tomar parte na farsa).

    Sou português fodasse! Sou português feito de laços de sangue e de cultura com todos os portugueses, por nascimento e por adopção. Sou português, não sou europeu, quero que a Europa se foda! É em Portugal e pela mão do povo português que reside a única verdadeira esperança por um Portugal decente, livre e justo. A Revolução, a guerra de classes, o derrube do capitalismo, a destruição do poder burguês.

    E esse Portugal é anti-europeu. Até os alemães, os trabalhadores, os que têm honra e dignidade o reconhecerão, a única transformação, a única saída para esta União Europeia é ser punida e depurada do alto de uma Bastilha. Morte à Troika, morte à UE e morte à Europa!

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