A propósito dos apelos

«aos sindicatos, movimentos, partidos políticos, associações, grupos, anti-grupos e afins», que não consigo linkar da autoria da Raquel Freire, apraz-me dizer que, antes de mais, será (?) um apelo a si mesma dada a intensa actividade em movimentos sociais, embora alguns deles estejam um pouco à parte da participação social enquanto tal, ou, pelo menos, não tenho dado por eles no número intenso de lutas que por este país se têm feito.

A hora da manifestação foi mal escolhida? Sim.

A manifestação era nacional? Era.

Havia autocarros a sair às seis da manhã de todo o país? Havia.

Podiam sair mais tarde? Sim. Mas chegariam muito mais tarde também, e têm famílias à sua espera. E abdicam delas quase todos os dias para irem trabalhar por meia dúzia de tostões, por turnos, ou 12 a 14 horas por dia. O dia a seguir era domingo e podiam descansar. Verdade.

Mas partir deste raciocínio para se afirmar (com algum atrevimento, atrevo-me) que não se ouve as pessoas?

O Alírio, corticeiro, do Conselho Nacional, vive com o salário mínimo, perdeu dedos na broca, deu a cara pela luta da igualdade salarial, trabalha por turnos.

A Leonilde, trabalhadora têxtil, faz meias, foi do Conselho Nacional da CGTP muitos anos, é sistematicamente pressionada e trocada de posto de trabalho pelo patrão, tem os filhos que regressaram a casa com as suas famílias, tem o irmão na Venezuela porque não tinha dinheiro para viver em Portugal e reencontrou-se com ele, em 2007, depois de 20 anos sem o ver.

O Ricardo é dirigente sindical, trabalha numa poderosa concessionária de auto-estradas. Não via a família que é do norte há muito. Foi e veio na sexta para lhes dar um abraço. Está sempre de prevenção dia e noite. Passa noites acordado depois de estar todo o dia a trabalhar. Faz o seu trabalho sindical para além do normal e tem uma intensa actividade política.

A Isabel, tem dois filhos, trabalha a recibos verdes, é activista nos movimentos, recebe nem 600 euros por mês, não tem dinheiro para ter casa própria. 

A Diana, vive com os pais, três irmãs, o pai está inválido. Trabalha na Telepizza, sindicalizada, ganha 100 euros por mês porque só vai quando a chamam e ela nunca sabe quando é. O namorado de sempre, trabalha numa fábrica, por turnos, normalmente de noite, ganha cerca de 500 euros, é sindicalizado, tem menos de 30 anos, gostava de viver com a Diana, mas não têm dinheiro. Não lhe pagam horas extraordinárias, não lhe atribuíram a categoria profissional correcta, não lhe pagam subsídio de turno e nem lhe dão os 22 dias de férias.

Os nomes não são fictícios. São gente que foi à manifestação. Porque, apesar de estar calor já não aguentam mais e sabem que a luta, mesmo que estejam quarenta graus, não tem hora nem dia marcado, mas o futuro deles tem um fim determinado se o Governo e a Troika continuarem a governar. E por isso vão.

E sabem, que mesmo que a marcação para as três não seja a melhor, fizeram uma viagem de metro, 600, 400 ou os quilómetros necessários para tomarem posição, alguns deles pela primeira vez.

E sabem que a hora é de apelar à unidade. 

E jamais teriam a veleidade de dizer que a, b ou c não sabem o que é a vida dos outros. Têm essa humildade, pelo menos. E não se abstiveram de dizer que a hora era má. E conseguiram ir e levar outros, como disse, pela primeira vez.

Esta entrada foi publicada em 5dias com as etiquetas , , , . ligação permanente.

18 respostas a A propósito dos apelos

  1. Rocha diz:

    Tens razão Lúcia, mas não deixa de ser verdade que a decisão de fazer uma manif nacional (por oposição às capitais de distrito) tenha sido uma enorme asneira. Neste momento uma manif nacional só faz sentido se for insurrecional e mesmo aí depende. E sinceramente já começo a estranhar muito estas manifs nacionais mal amanhadas, porque não é a primeira vez. Não é novidade para ninguém que a CGTP não é um todo homogéneo, basta para isso ver que há uma série de correntes, todas elas à direita da corrente maioritária. Eu neste momento gostava que o Arménio fosse um bocado estalinista e lidasse com essa gente com mão de ferro. Além disso precisamos de quadros realmente revolucionários nas lideranças sindicais, o Arménio é um deles e há muitos como ele, mas são precisos mais em todo o país.

    • Vanessa diz:

      Quer sugerir, que quem não seguir a cartilha do PCP, seja expulso da CGTP?

      Movimento Sindical UNITARIO,é isso que a CGTP defende .

      • lúcia,
        sou filha de comunistas sindicalistas,que não só fundaram os sindicatos neste país, como passaram, como comunistas, por tudo aquilo que é inimaginável, sendo do Porto, e não de Lisboa, onde tudo é tão mais fácil….
        se leres o meu livro está lá tudo, a infância das sedes do partido, as madrugadas infinitas…
        vivi e defendi em criança, com agressões na escola e afins.
        a mim, ninguém me dá lições de moral. cresci com o Álvaro, a dormir em minha casa, o próprio, as imitações são só isso, imitações são para mim, propaganda.
        queremos avançar, é esse o objectivo!
        a minha escola é outra. demasiadas pessoas da minha família foram comunistas assassinadas, silenciadas, censuradas, antes do 25 de abril.
        onde estavas tu quando eu fui censurada pelo governo do relvas e da troika?
        quando eu fui executada, perdi a minha casa, fiquei sem dinheiro para comer, para dar de comer ao meu filho.
        tu já passaste por isso? ter um filho e não ter como viver?
        fui obrigada a manter a minha dignidade, sem apoios de partidos.
        não, eu são sou funcionária.e respeito. mas não me dês lições de moral. tu és mais inteligente.
        eu admiro todas as pessoas que lutam.
        não porque dizem sim a um cc.
        porque aprendi com o Álvaro que não, não, não se diz que sim ao aparelho.
        exerce-se o pensamento, crítico quando ele é necessário.
        não me esqueço aquilo que aprendi, com o trisavó anarquista, o bisavô anarco-sindicalista, o tio -avô comunista morto pela pide.
        jamais.
        não esqueço acima de tudo o que aprendi com o Álvaro, desde que criança, todas as noites que dormiu em minha casa e ele teve a paciência de conversar comigo e partilhar a sua experiência. o meu livro, trans iberic love, é parte disso.
        é em nome dele, e dem nome de todos os que morreram paar que eu hoje possa publicar o meu livro que escrevi este post.
        com toda a humildade e orgulho. aprendi com o Álvaro. a humildade e o orgulho.
        se não há pensamento crítico, a humanidade não evolui.
        o Álvaro disse-me, a última vez que jantámos os 2 sozinhos:
        – nunca deixes de pensar e partilhar o que pensas.nunca cedas aos funcionários, axs que fazem o que lhes é dito. nunca cedas ao sectarismo. pensa pela tua cabeça. não abdiques do teu pensamento crítico. se eu o tivesse feito, não estaria aqui.
        é só isso.
        com todo o respeito e companheirismo.

        • Lúcia Gomes diz:

          Raquel,
          como te disse, a minha vida privada ou o que passei ou deixei de passar não é nem será para aqui chamado, muito menos para justificar posições políticas.
          Abraço.

        • João. diz:

          Cara Raquel,

          Já tem um gajo, um abutre, no blog “Vias de Facto” que está a aproveitar esta polémica para a pretexto da sua defesa vir atacar PCP e a CGTP como tal e não só neste caso:

          http://viasfacto.blogspot.com.br/2013/07/antes-sos-no-inferno-que-acompanhados.html

          Se você ler os textos do congresso do PCP que analisa a queda da URSS você verá que na auto-crítica que o PCP faz ele assume que teve falta de pensamento mais crítico em relação à informação que ia recebendo – isto para dizer o quê? Que o pensamento crítico perpétuo é um luxo a que um Partido não pode dar-se sob pena de nunca decidir nada sobre nada, por isso o PCP, julgo eu, se funda mais na dialéctica do que na crítica. Ou seja, a crítica é um momento de um processo que a subsume em outras dimensões -como o corte e decisão – e não propriamente todo o processo.

          O PCP vai cometer erros, como é evidente, e poderão dizer que é por falta de pensamento crítico mas é fácil para quem não tem que decidir nada, para quem não tem que lidar com o real da política, ficar no almofadado do pensamento crítico – onde estão outras figuras como Marcelo Rebelo de Sousa, Miguel Sousa Tavares, Josê Sócrates, enfim, todos os comentadores que têm o seu programinha de televisão são pensadores críticos, assim se dizem – a não ser que se tornem decisores políticos, porque aí a coisa muda de figura.

          Uma pergunta que eu me faço é se muitos dos adeptos dos movimentos de protesto não o são só enquanto não há verdadeiro trabalho político a fazer, o são apenas enquanto podem ficar no pensamento crítico sem ter de arriscar com o real?

      • Rocha diz:

        O que estou a sugerir é que a CGTP assuma o papel de vanguarda revolucionária da classe trabalhadora, doa a quem doer, goste a quem gostar. E se os tipos que lá dentro se arrastaram em subserviência pelo chefe José Sócrates ou os tipos que foram bajular o ex-ministro da escravatura Manuel Pinho num jantar de despedida do governo não gostarem, que se fodam.

        O que estou a dizer é que quando a luta é decisiva e chegou o momento de derrotar um inimigo que fraqueja (este governo meio morto), chegou a hora virar o jogo, o que é preciso é mandar os consensos e paninhos quentes às malvas e avançar com toda a força contra o inimigo que destruiu mais direitos, destruiu mais a democracia e atropelou mais a constituição que governos anteriores no dobro ou triplo do tempo.

  2. Pedro Penilo diz:

    Tudo certo, no lugar certo!

    (O Jorge, deixou o seu lugar no seu teatro, para poupar um salário, que o teatro não teria condições para pagar, e foi trabalhar para a luta. Há anos que trabalha como um cão, no teatro e na luta. Depois de dias a fio a trabalhar para a greve geral na sua região imensa, preparou esta manifestação. Dormiu duas horas e levantou-se às 6 da manhã para viajar cinco horas para a manif. O autocarro não é um autopullman. É um vulgar autocarro, onde se dorme com a cabeça a tombar. O que lhe pesa não é o calor. É o dinheiro para ir todos os meses a uma manifestação em Lisboa. E a falta de sono.

    Qualquer manifestação que acabe como habitual, às 18h, significa chegar a casa muito depois a meia-noite. É preciso parar um pouco para esticar as pernas e comer qualquer coisa. E depois de chegado o autocarro, ainda é preciso viajar até casa, por vezes distâncias de dezenas de quilómetros. E o autocarro, para baixar o preço da viagem, pára em várias localidades para deixar pessoas.

    O Jorge não só conhece, como conversa com milhares de pessoas. E é pensando nelas, nas suas necessidades, desejos, sonhos e preguiças, que trabalha para a luta.

    E eu sei do que estou a falar porque, além de amigo do Jorge, já fiz esta viagem duas vezes.

    As decisões podem estar mais certas ou mais erradas. Mas há que ter a humildade de imaginar que quem as teve de tomar, também queima as pestanas a pensar em soluções. E não há soluções perfeitas. Antes do ano passado, nunca se tinha lutado tanto no Verão. E os governos sabiam disso.

    E ou se rema com todos, cada qual no seu ritmo. Ou se rema para trás.)

  3. José Sequeira diz:

    Venho agora ao 5Dias porque representa uma corrente política (a esquerda, à esquerda do PS) a que estou disposto a dar o meu voto nas próximas eleições.
    Apenas gostava de deixar algumas considerações sobre a “rua”.
    Os mais velhos lembram-se (até porque muitos participámos) das enormes manifestações de 74 e 75 que, várias vezes por semana, reuniam centenas de milhares de pessoas (contra a esquadra da NATO no Tejo, em protesto pela condenação à morte dos militantes bascos, que até culminou com a destruição da embaixada e do consulado de Espanha, da FUP, dos SUV, em defesa da Renascença e do República, o 1º de Maio de 75, etc… etc…).
    A “rua” já era o paradigma da legalidade revolucionária. Fossem grandes ou pequenos, dos meetings saía invariavelmente uma moção (a maior parte das vezes muito genérica, “apoio ao Vasco Gonçalves”, “pela unicidade sindical”…).
    Até que… os que se opunham a esse estado de coisas, a tal maioria silenciosa a que se referia o Spínola, que quer paz e sossego, detesta o governo mas não quer que manifes e greves lhes infernizem e piorem ainda mais a vida (ou vidinha) do dia a dia, também “achou” que a rua lhes podia igualmente pertencer; assim nasceu a manifestação da Alameda (talvez a maior de sempre), a do Terreiro do Paço (a da “só fumaça”), os incêndios e destruições das sedes do PCP, a ocupação permanente do Rossio por retornados, etc… etc…

    Portanto, apesar de estar – repito – disposto a dar uma oportunidade de governo a quem, depois do PREC (que já lá vai), não mais a teve, gostava de alertar para a necessidade de passar-se a jogar menos no tabuleiro da rua (frágil e dependente, por exemplo, do “tempo que faz”) e mais no proselitismo constante, responsável, sério e com visão construtiva, que – esse sim – trará muito mais gente ao que realmente interessa: a conquista do voto dos eleitores.

    • Augusto diz:

      Misturar o Vasco Gonçalves, ( ou melhor quem o apoiava) , com a luta contra esquadra da Nato, ou ataque á embaixada de Espanha, na sequência do assassinato de militantes BASCOS e da FRAP pela ditadura de Franco, não lembra ao mais pintado.

      Já se passaram algumas dezenas de anos, mas que tal rever as suas memórias…

      Já agora , em 75 a extrema direita não incendiou só sedes do PCP…

      • Rocha diz:

        O Augusto é mesmo sectário, até para recordar as suas velharias. E ainda é capaz de defender com unhas e dentes as campanhas eleitorais em apoio ao Manuel Alegre. Sectário e reformista, o Augusto consegue reunir o pior das esquerdas e o pior das direitas.

      • José Sequeira diz:

        Caro Augusto
        Eu misturei tudo e não estou arrependido de ter participado nas manifestações em que me apeteceu (foi mesmo o único critério); mesmo que alguns, que apoiei conscientemente, se tenham mais tarde revelado “menos” do que eu imaginei, a culpa foi sempre minha e não deles.
        É claro que – essencialmente – foram as sedes do PCP que foram atacadas.
        Em todo o caso cada um fique com as suas memórias que daí não virá mal ao mundo.

        • Augusto diz:

          Meu caro , então talvez se recorde , que essa manifestação contra a presença PROVOCATÒRIA , da Esquadra da Nato em Lisboa, uma Manifestação encabeçada por centenas de operários da Lisnave , foi atacada pelo PCP , porque, ( diziam eles) , era conduzida por perigosos esquerdista e PROVOCADORES , e apelava a população a receber bem os marinheiros americanos e a dar-lhe flores…..

          Quanto ao que o PCP disse sobre o assalto ao consulado e a embaixada de Espanha , dispenso-me de transcrever.

          Mas para quem gosta de ver o PCP como partido “revolucionário” , terá muito que aprender , se fôr ler o que foi a actuação do PCP entre 1974 e 1976 , quando participou em governos com o PSD e o PS, mesmo depois do golpe reaccionário do 25 de Novembro.

          Quanto ás sedes queimadas, aquilo que eu pretendi referir, é que para além do PCP tambem o MDP, o MES, a LUAR, o PRP, a UDP e FEC-ML, estiveram na mira dos criminosos da extrema-direita, e tiveram sedes atacadas e militantes espancados.

          Há quem goste de reescrever a história, há que se incomode com o que escrevo sobre o PCP, mas as NODOAS não se apagam…..

          • Vasco diz:

            Não sei se foi isto que o Augusto quis dizer, mas também o MRPP se juntou à extrema-direita no ataque às sedes do PCP…

          • Vasco diz:

            Infelizmente que as nódoas não se apagam, caso contrário não aparecias mais por aqui. Quanto à «actuação» do PCP deves ter ido ler à Raquel Varela, não?…

  4. A.Silva diz:

    Muito bom post!

  5. Gambino diz:

    Concordo em absoluto com o que a Raquel disse.
    A nossa obrigação em relação aos que sofrem com a austeridade é planear as coisas decentemente para, no mínimo, estarmos em condições de ameaçar ou abater as políticas de austeridade. A ética do martírio em que, independentemente dos resultados que se pretendem atingir, nos arrastamos com velas na mão é uma coisa de cristãos. Para qualquer marxista que se preze, seja qual for a Internacional a que adere, este tipo de luta é irrelevante.
    A manifestação deve ser concebida para cumprir um determinado objectivo, e não para ser uma catarse de fé. Uma manifestação que tem uma hora “normal” para acabar é tão absurda como uma ida em peregrinação a Fátima.

  6. Francisco d'Oliveira Raposo diz:

    É bom que algumas pessoas conheçam o concreto. Sem invalidar as questões que todos nós vamos formulando à medida que a crise aprofunda e as respostas parecem não corresponder às necessidades. Mas é isso o debate ideologico que se trava entre diversas vi~soes para o movimento. E isso só pode ser bom.

  7. Isabel P. diz:

    Apelo a quem apela a quem luta:
    Um registo discursivo assente numa argumentação ad-hominem invertida, umbiguista e sustentada na genealogia – esse garante de pedigree sócio-político; necrofilizando, pelo meio e sem escrúpulos, o cadáver do cunhal para vender um livro (…um cliché) – bem mais digno seria venderem merchandising daquela marca que registaram aqui há tempos – cr7, r9, m12m, ou lá o que era… – canecas e t-shirts para os mais saudosistas. a propósito, o conceito de “movimento social ®” – abstracto e cosmopolita, que do texto trespassa, é todo um manifesto – franchisem a vossa ideia, por favor.
    E vírgulas?! Aquela parolice pós-modernizante do acordo queerográfico também relativizou o correcto emprego de pontuação?! Ardem-me xs olhos de ler x que gatafunham!
    E porque a actual situação política não se compadece com autoritarismos e manifs ao sol, e porque isto já não vai lá com violência, mas com amor – ouçamos o “movimento social ®” e valorizemos o seu inestimável contributo para o ascenso do activismo cidadão :
    Lição n.º1- da acção directa supé-fofinha e supé-criativa (…à sombra, nem de propósito):

Os comentários estão fechados.