O PCP contra as Greves (Maio de 1974)

A política do PCP em Maio de 1974 centra-se na denúncia das greves que grassavam no País. Esse é o assunto de todos os editorais do Avante! e de todos os comunicados do CC do PCP (à excepção de um comunicado em que se condena a ida de Américo Tomás e Marcelo Caetano para o Brasil[1]). O título do comunicado do Comité Central de 28 de Maio sobre as greves é: «Contra as manobras da reacção[2]». Dirige-se a «toda a classe operária»: «Estamos perante o conluio dos elementos mais reaccionários ainda não desalojados das suas posições pelo movimento de 25 de Abril, os quais, com a ajuda consciente de grupos aventureiros ditos de esquerda, procuram empurrar a situação para o caos económico e destruir as conquistas democráticas até agora alcançadas. (…) é necessário impedir que se arrastem os conflitos sociais, que a vida económica e social seja gravemente afectada por greves, que a desorganização da produção dos transportes e dos abastecimento provoquem um amplo descontentamento (…).»[3]

No dia 22 de Maio, no meio das greves das seguradoras, os sindicalistas do PCP começam a alertar para os perigos da «anarquia económica». No dia 23, a Intersindical alerta os trabalhadores para que devem evitar «greves inoportunas» (Santos et al, 1976; Rodrigues, 1994). Uma das greves mais importantes que teve a oposição do PCP foi a dos CTT. O PCP, num comunicado da DORL, reproduzido em panfleto por todo o País pelas direcções regionais e comissões concelhias, acusa a comissão pró-sindical de não ter hesitado em «atirar 35 000 trabalhadores para a greve»: «(…) Face à greve dos CTT, o Partido Comunista Português tem o dever de alertar os trabalhadores e o povo português para as implicações políticas e sociais dela decorrentes (…) O seu objectivo está à vista. Lançar os trabalhadores contra o Governo Provisório e fomentar um clima de descontentamento e de revolta, que só à reacção e ao fascismo aproveitam. (…)»[4].

O editorial do Avante! de 31 de Maio de 1974 considera que o «principal problema do momento político» (título do editorial) são as greves, focos artificiais do descontentamento popular: «As greves da Carris, de Lisboa, da panificação, da Central de Lisboa dos CTT e algumas outras, juntamente com manejos e boatos alarmistas tendentes a desorganizar os transportes e o abastecimento público (…) A arma da greve – que é um direito agora conquistado – não pode ser usada com leviandade. No contexto político actual é preciso esgotar outras formas de luta, tais como a negociação com o patronato, na obtenção das justas reivindicações e só então – e sempre com olhos postos no que é fundamental e no que é secundário – a arma da greve deve ser usada como forma justa de vencer a resistência do patronato[5]».

No dia 1 de Junho de 1974, a Intersindical organiza uma manifestação contra as greves. Realiza-se no Parque Eduardo VII. O PCP mobiliza para a manifestação da Intersindical chamando todos os trabalhadores a participarem nesta manifestação de «protesto contra as manobras dos inimigos dos trabalhadores e de solidariedade às Forças Armadas»[6]. A manifestação terá contado, segundo dados do PCP, com 10 000 trabalhadores, que gritaram «Não à greve pela greve!»[7]. Avelino Gonçalves, membro do PCP e ministro do Trabalho, discursa nesta manifestação da Intersindical: « Em nome do Governo, e em particular do Ministério do Trabalho, agradeço a vossa manifestação»[8].

O PCP argumenta que quem está a organizar as greves são os grandes monopólios que, ao concederam salários elevados, desorganizam a vida económica e assim preparam a contra-revolução. Segundo este argumento, eram os grandes monopólios, em articulação com a extrema-esquerda, que concediam os salários e não os trabalhadores que os conquistavam com greves e ocupações de fábricas e empresas. Vejamos um dos comunicados do Comité Central de Maio a este propósito: «Tais elementos [os ‘elementos mais reaccionários ainda não desalojados das suas posições’, ‘com a ajuda consciente de aventureiros ditos de esquerda’], manobrando com a miséria dos trabalhadores que provocaram em dezenas de anos de exploração, mostram-se agora singularmente solícitos e generosos em relação às suas reivindicações, provocando a ruína e a falência das pequenas e médias empresas (…)»[9].

Este argumento era insólito e inexplicável na medida em que o PCP acusava certos patrões de promoverem greves que o Governo Provisório, incluindo o PSD e o presidente da Junta de Salvação Nacional, António de Spínola, tentam, de todas as formas, conter e em alguns casos, como nos CTT, com intervenção repressiva armada.

Mas a situação no País era distinta. As greves não eram minoritárias e, no final de Maio, o País estava paralisado por greves que são, objectivamente, recorde-se, «formas de luta, coerção e poder nas quais os trabalhadores forçam a mudança económica, social ou política» (Van der Linden, 2008: 182). A pujança destas greves era tão visível que o PCP sente-se forçado a evocar, dirigindo-se aos trabalhadores, que quem está no poder já não é o regime fascista[10].  O problema real do surto grevista de Maio e Junho para o PCP é que este escapava ao seu controle, punha em causa o Governo Provisório e engrossava as fileiras dos militantes da extrema-esquerda. O PCP teme que a agitação laboral ponha em causa a sua posição no Governo Provisório. Era legítimo que PS e PSD se questionassem: se o PCP não continha as greves e manifestações, então para que era necessário manter a coligação com os comunistas?

O PCP vem, desde o dia 4 de Maio, a denunciar os grupos à sua esquerda como «agentes da contra-revolução»[11]. Normalmente são classificados, todos sem distinção, de grupos «pseudo-revolucionários». Parece certo, como argumenta António Ventura, que a entrada do PCP no Governo Provisório e o seu esforço para pôr fim às greves contribuiu para que muitas comissões de trabalhadores fossem dirigidas por grupos de extrema-esquerda, que, apesar de muitos e ideologicamente distintos, também crescem, e em grande medida esse crescimento dá-se onde o PCP tenta controlar ou pôr fim aos conflitos de classe (Ventura, 1985:229).

Mais tarde será porém reconhecido nas páginas de O Militante que esta posição contra as greves provocou danos no partido: reconhece-se por um lado que os trabalhadores são atraídos pela extrema-esquerda por causa da política da Intersindical em «não ter apoiado certas greves» e por outro considera-se, em Julho de 1975, quando o PCP já tem uma política clara de tentar dirigir as comissões de trabalhadores, que os militantes têm dificuldade em militar nestas e que actuam com grande «sectarismo»[12]. O partido tomou, no entanto, algumas precauções quando levou a cabo esta política. Avelino Gonçalves será substituído. Álvaro Cunhal mantém-se no Governo, mas como ministro sem pasta para que este não fosse directamente responsabilizado pelas medidas governamentais.

Artigo 7 – Este artigo faz parte de uma  série: 25 Artigos para 25 Dias, 2013. Publicado também em http://raquelcardeiravarela.wordpress.com/

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13 respostas a O PCP contra as Greves (Maio de 1974)

  1. vitor dias diz:

    Afirma R. Varela : « O problema real do surto grevista de Maio e Junho para o PCP é que este escapava ao seu controle, punha em causa o Governo Provisório e engrossava as fileiras dos militantes da extrema-esquerda. O PCP teme que a agitação laboral ponha em causa a sua posição no Governo Provisório. »

    Raquel Varela nunca perceberá que o que estava em causa não era o PCP perder as posições no Governo Provisório mas sim, por via de greves politicamente pouco ponderadas, não desiquilibrar desfavoravelmente a correlação de forças no plano político-governamental numa altura em Spínola era o Presidente da República e cedo começaria a fazer a campanha reaccionária que fez. É preciso não ter vivido os acontecimentos daquela época para não perceber que uma derrota no plano da esfera política-governativa e militar naqueles meses, levaria a num regime autoritário liderado por Spínola que, sem qualquer dúvida, esmmaria pela repressão todas as movimentações de trabalhadores.

    Quanto a mim, usando palavras da época, o que o PCP fez e muito bem, e a maioria dos trabalhadores compreendeu, foi dar prioridade à «frente política» numa inteligente táctica que lhe permitiria mais tarde arrumar e derrotar Spínola e os seus comparsas (nem todos porque as ligações do PS ao spinolismo são outra história).

    • A senhora não aprendeu nada ao fim de tantos anos passados sobre os acontecimentos que narra de forma descontextualizada? Ainda não percebeu o papel que desempenharam certos movimentos ou partidos contra a esquerda, contra os avanços da Revolução, em nome de uma esquerda pseudo-radical cujos mentores são hoje assumidamente de direita e o foram de forma mascarada?
      A senora não percebe ou não quer perceber porque é que certos grupos sociais especialmente remunerados hostilizam os governos que têm apoio popular, apoio dos trabalhadores dos outros sectores?
      Quer um testemunho pessoal de quem não precisa de salvaguardar o discurso políiicamente conveniente? Aqui tem: na RTP, raramente as greves dos trabalhadores em geral foram acompanhadas pelo sindicato dos jornalistas no período revolucionário e pós-revolucionário. Se não percebe porquê, não vale a pena tentar explicar-lhe.

      António Marques Pinto, realizador de tv “rescindido por mútuo acordo”.

    • J. Monteiro diz:

      Tenho muita estima e consideração por Raquel Varela de quem comprei o livro “Quem Paga o Estado Social em Portugal” que estou a ler, com gosto, mas peço desculpa, não tem razão quando afirma que o PCP temesse que a agitação social pusesse em causa a sua posição no Governo Provisório” porque o problema que se punha em Maio de 1974, e nos meses e anos seguintes, era o facto de que as greves tinham um carácter aventureiro de sabor reacionário sobretudo quando lideradas pelo MRPP, partido esse que só fez mal à revolução sobretudo quando se armavam em puritanos e de megafone na mão destruíam tudo o que de positivo se fazia. Dentro de uma fábrica com 800 trabalhadores senti na pele a truculência terrorista e sem nexo que pretendiam instalar no seio dos trabalhadores. Esse clima só foi ultrapassado depois do 11 de Março de 1975 e depois com o MRPP em fuga as coisas serenaram e fizeram-se coisas muito positivas que de algum modo moldaram e fizeram progredir o Portugal de Abril com o natural apoio do MFA.
      Pena que o Partido Socialista que na altura não tinha qualquer expressão no seio dos trabalhadores se tivesse vindo a afirmar como um partido colaboracionista do grande capital não obstante os gritos de Mário Soares num comício em 1977 (?): “Nós somos Marxistas, camaradas”. que lançou e lança ainda hoje a duvida, a confusão e a desmobilização. dos trabalhadores
      Ao reler o post de R. Varela porque não viveu o período de 1974 e apenas se socorre de literatura facciosa não consegue interpretar e transmitir uma imagem real do que historicamente se passou.
      .

      • O caro Monteiro enganou-se numa data: não é “depois do 11 de Março de 1975”, é depois do 28 de Maio de 1975, em que umas centenas de militantes do MRPP seguem para Pinheiro da Cruz com passagem por Caxias que pode dizer “e depois com o MRPP em fuga as coisas serenaram”.
        Um facto sempre de recordar.
        Não fossem as “greves selvagens”, e já agora a luta que ficará para a História como “nem mais um soldado para as colónias”, e teríamos tido a tal “transição democrática” suave e spinolista, tão ao gosto de tanto ressabiado que por aí anda com saudades dos seus tempos de colono.
        Não fossem as greves e manifestações de trabalhadores e toda a pressão social que acarretaram, e não teríamos andado tantos anos a lutar pela manutenção das conquistas de Abril, ganhas nas fábricas e nas ruas nos meses seguintes, combatendo diariamente a lei anti-greve, pelo simples facto que não tendo sido de Abril, foram de todo um ano, também não teriam sido conquistas, ficando umas concessões aqui e acolá, a miséria era tanta que umas esmolas sempre teriam sobrado.

        • J. Monteiro diz:

          Não me parece que haja engano porque o meu amigo MRPP desapareceu da fábrica, cheio de medo, no dia 11 de Março de 1975 e no dia 28 de Maio de 1975 garanto que estava na fábrica, cabisbaixo. Aliás, ele nunca mais foi o mesmo desde então e comecei a perceber melhor o que era o MRPP depois de ter lido o livro de Saldanha Sanches com o título de “MRPP – Instrumento da Contra Revolução”.

    • malnatesta diz:

      a estratégia do PCP era tão acertada na altura, como defende o vitor dias, que agora estamos onde estamos. Valeu de facto a pena… a reacção ficou baralhada e ainda hoje não se recompôs!

      • Vítor Dias diz:

        que comentário mais parvo: vocelência queria que uma orientação de há 39 anos tivesse a milagrosa ciência de de fechar a cadeado as negativas evoluções e desenvolvimentos que vieram até aos dias de hoje ? Vocelência ainda acredita que há vitórias que têm de durar para a eternidade ?

  2. Augusto diz:

    Vitor Dias, pensava que depois de todos estes anos e ponderados todos os factores,tivesse outra posição.

    Sim o PCP foi fura greves, em sectores que pediam aumento de salários, combate á repressão , e expulsão de bufos,

    Operários combativos foram apelidados de contra revolucionarios, de estarem a fazer o jogo da reacção.

    Mas enfim, quando chegar-mos ao 7 de Fevereiro de 1975, e á EXTRAORDINARIA manifestação operária em Lisboa contra a esquadra da Nato, a Raquel Varela poderá escrever com todas as letras, de que lado se colocou nesse dia o PCP, o partido dito da classe operária ,a apelar á repressão dos operários, e a pedir flores para os marinheiros da Nato , foi um mimo.

    Talvez tenha sido culpa da Zita Seabra, ou do Vital Moreira….

    • vitor dias diz:

      Isto é que é discutir…. ! Nenhuma atenção àquilo a que alegadamente se responde.
      Ai filhos, depois como já antes do 25 de Abril não faltavam os que, não sendo comunistas, estavam sempre dispostos a bater-se até ao último comunista.Melhor que se juntem todos, historiadores e não historiadores, e escrevam um ensaio a demonstrar que os problemas da correlação de forças em cada momento histórico é uma invenção revisionista e burguesa do PCP.

  3. Fuas Rouquinho diz:

    As greves que de um modo geral são uma forma de luta dos trabalhadores podem num momento histórico concreto e numa correlação de forças particular ser utilizadas contra os trabalhadores. Ora o trabalho de pesquisa do historiador tem de ter em conta a situação concreta dos acontecimentos e saber contextualizá-los. Felizmente, as Verdades Absolutas fora e acima da História e da Praxis, caíram com Marx. Com a luta de classes, os princípios absolutos são perspectivados, passando a ser reais e indissociáveis da vida dos homens. Trotski não diria outra coisa. Portanto, cara Raquel, também a greve não é uma forma de luta absoluta e intocável, tendo de ser devidamente perspectivada. Não se pretende escamotear alguns bons erros do PCP no processo revolucionário, mas creio que por aqui não vai o gato às filhozes.

  4. xatoo diz:

    o P”C”P a querer flores para a esquadra da Nato cujo embaixador Carlucci haveria de agradecer a 25 de Novembro…e o MRPP com as consignas nas ruas: “nem Nato nem Pacto de Varsóvia!”, independência nacionalm, “Nem mais um Soldado para as Colónias”. Dará para entender quem é ou não é Comunista ?

  5. Tiago diz:

    Olá boa tarde. Gostaria se possível de obter resposta a estas duas questões:

    1. Os “revolucionários” que “organizavam” as greves que descreve eram do MRPP. Dos dirigentes deste partido na altura, quantos estão neste momento em locais chave do poder do grande capital, em 2013?
    2. Porque razão esses “revolucionários” do MRPP se aliaram inúmeras vezes ao PS nas listas para diversos sindicatos da CGTP para impedir que listas apoiadas pelo PCP ganhassem? Considera que na altura o MRPP aliar-se ao PS era uma atitude revolucionária?

    Feitas estas perguntas (sobre questões factuais), não preciso por agora de comentar mais este artigo.

  6. Vasco Paiva diz:

    se bem me lembro…
    No Chile de Allende e da Frente Popular foram “greves” e manifestações” das donas que também abriram a porta a Pinochet… o “descontentamento” foi um dos motivos!
    No período após o 25 de Abril, algumas das pseudo-greves tinham o apoio e o fomento da direita para gerar a ideia da anarquia e abrir a porta ao regresso ao fascismo, por algum motivo vinham de sectores corporativos onde os funcionários eram “criteriosamente seleccionados” e tinham de subscrever, no fascismo, o compromisso de que não partilhavam de ideias comunistas e contrárias à Nação!
    O objectivo era paralisar o País e a economia!
    Também se bem me lembro, um grupo de fascistas e colonialistas também defendeu em Moçambique a saída imediata dos soldados e “nem mais um soldado para as colónias” e tentou um golpe para uma “independência branca” (à moda do Ian Smith da Rodésia) na então Lourenço Marques. Golpe que foi derrotado pela Frelimo…

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