Suspensão: mais vale tarde do que nunca!

Como Boaventura Sousa Santos acaba de defender a suspensão do pagamento da dívida agora os jovens do BE vão fazê-lo assim que a direcção tiver tempo de ler a Visão e colocar os seus jovens cheios de opinião própria todos nas frentes a defender isto. Só o posso celebrar, é caso para dizer “mais vale tarde do que nunca”. Estranho é que este movimento, que antevejo dar-se nos próximos dias, tem como intelectual orgânico BSS, cujos textos, todos, são a defender a democracia contra o perigo da revolução. Quando o que temos que defender é a revolução contra o perigo da democracia, que em 40 anos nos reduziu a isto. Quer isto dizer que está na hora de defender o controlo operário?

A Vida Está Acima da Dívida Boaventura de Sousa Santos Crónica | Visão 7 Março 2013 …

A mãe de todas as mensagens das manifestações do passado fim de semana foi a afirmação da vida contra a morte. Uma afirmação com três nomes: dignidade, democracia e patriotismo. E uma canção, onde coube todo o país exceto o governo. Sentindo um perigo e uma ameaça viscerais, os portugueses recusam-se a deixar de gostar de si e do seu país. Vivem um momento de intensa inteligência intuitiva que está além e aquém do que os discursos e representações oficiais dizem deles. Recusam-se a aceitar que uma vida honesta feita de muito trabalho e estudo possa ser apelidada de preguiçosa, leviana e aventureira, que os impostos e os descontos pagos ao longo da vida tenham sido em vão, que quem menos pagou seja quem é mais protegido num momento de dificuldade coletiva. Recusam-se a aceitar que a democracia seja uma máquina de triturar a esperança, um moinho que só sabe moer o moleiro, uma farsa onde só são reais os fios que sustentam as marionetas, uma engrenagem encalhada num parlamento à beira-mar enterrado. Recusam-se a aceitar que os representantes eleitos pelo povo representem exclusivamente os interesses de credores predadores, que os governantes tenham outra pátria que não a dos governados, que a riqueza do país e o bem-estar dos cidadãos se transformem em penhora de um futuro hipotecado, que o roubo deixe de o ser apenas por estar institucionalizado e cotado internacionalmente. Recusam-se a aceitar que um governo nacional se comporte como a comissão liquidatária do país, reduza a história e a cultura a números, de que aliás retira tantas previsões quantas imprevisões, viaje às escondidas pelo país e só fale em público quando o público é estrangeiro.

Esta inteligência intuitiva, que afirma a dignidade, a democracia e o patriotismo, permite entender o que parece inexplicável: que o governo seja indigno, apesar de ocupar instituições dignas; antidemocrático, apesar de ter sido eleito democraticamente; e antipatriótico, apesar de se dizer nosso ante outros países. A inteligência intuitiva não dispensa razões nem desconhece riscos, mas tem com umas e outros uma relação indireta ou fractal. Tem assim uma leveza traiçoeira que torna o seu tratamento político complexo. Eis algumas das razões. Cerca de 20% da receita fiscal vai para pagar juros (por cada 100 euros, 20 vão para os credores); pagamos em juros mais do que gastamos com a educação (108%) e 86% do que gastamos com a saúde; os juros representam 15% da despesa efetiva total do Estado; a política de austeridade aniquila os devedores até ao ponto de nada mais lhes poder tirar senão a vida nua que ainda lhes restar; se propuséssemos uma renegociação da dívida e não pagássemos juros durante o período de negociação (moratória), o nosso orçamento estaria equilibrado e seria possível libertar recursos para investimento e criação de emprego.

Quais os riscos? Se a política atual se mantiver, os portugueses passarão os próximos trinta anos a transferir a sua poupança para o exterior; com o ritmo migratório de 40.000 pessoas por ano, na grande maioria jovens e muitos deles altamente qualificados, daqui a dez anos Portugal será um imenso deserto com balões Google de resorts para turistas. Mais do que riscos, estas são certezas. Contra elas, há que ponderar os riscos da moratória. Portugal ficará sem acesso aos mercados? Mas não é esta a situação atual? O que aconteceu com a Islândia? Os credores, confrontados com uma ameaça credível de moratória, serão rígidos ou negociarão receber alguma coisa em vez de nada? A UE deixará cair definitivamente a periferia, como tem vindo a fazer, ou entenderá finalmente que a crise do sul da Europa só é grave porque há um norte que se alimenta dela e dispõe de uma moeda apenas coerente com a sua economia? Ante riscos de desastre e certezas desastrosas, a inteligência intuitiva não hesita. O hino à vida que se ouviu pelo país inteiro foi uma moção popular pela demissão do governo. Parafraseando o que Humberto Delgado disse sobre o que faria de Salazar se ganhasse as eleições: obviamente, demitam-se!

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2 respostas a Suspensão: mais vale tarde do que nunca!

  1. Paulo Barros diz:

    Os nossos políticos parecem incompetentes, nunca acertam nas previsões, dizem que estaremos melhor, que os sacrifícios são necessários, que é necessário cortar na despesa para voltar a ter crescimento. No entanto, sempre que são divulgados novos dados económicos o resultado é sempre mais deterioração e o agravamento das condições de vida.
    Tenho a certeza que eles não são incompetentes, tenho a certeza que tomam estas medidas com um objetivo deliberado, não confessado. Não nos deixemos enganar, o ministro das finanças não está a errar, está a ter muito sucesso. Portugal está a ser levado deliberadamente a um ponto de pobreza e de desolação para mais facilmente ser vendido.

    É disso que se trata: VENDER PORTUGAL. Este é o sonho e o objetivo destes políticos.

    Como explicar o apelo à emigração feito pelo PM, como explicar que haja tão pouca gente no interior e se coloquem portagens nos únicos acessos decentes a esses lugares?
    E explicar o encerramento de escolas, maternidades, hospitais, etc.
    Acabaram com transportes públicos regulares, com linhas de comboio. Isolaram aldeias e populações, não deixando alternativas senão o isolamento.
    Por que razão construir uma linha de TGV se cada vez há menos dinheiro e pessoas para viajar num simples intercidades.
    Por que razão se constroem mais barragens no Tâmega se o país está a perder população e o consumo de energia a diminuir? E a destruição de uma das mais maravilhosas linhas de combóio do mundo (dizem os entendidos), no Tua. Quem ganha com isso senão a EDP?

    O objetivo é esvaziar o país, enfraquecer e isolar as pessoas para mais facilmente o vender.
    É este o sonho do PM e do seu governo, um pais com os recursos energéticos vendidos aos grupos económicos, transformado em campos de Golfe, alquevas, TGVs, autoestradas, resorts de luxo na costa Alentejana e Algarve, que de nada servirão à maioria de nós. Em vez de criar empresas produtivas cujo lucro reverta em favor da nação, são vendidas minas a australianos e canadianos, a EDP a chineses. Um pais transformado numa nação de servos para senhores endinheirados que para cá virão explorar-nos e enriquecer à custa da destruição dos nossos recursos e do nosso bem-estar.
    Porque somos um país muito apetecível e invejado por muitos. Quem é o Alemão, Inglês, Escandinavo que não sonha gozar a sua reforma num país como Portugal?
    Os portugueses serão empregados domésticos, faxineiros, varredores (não tenho nada contra estas profissões) desses indivíduos. Sem vida própria. Com os seus melhores quadros emigrados. Trabalharão em fábricas e minas de grupos económicos, sem segurança social, sem regalias, mal pagos. È este o país competitivo que os nossos políticos falam.
    Os mais sortudos talvez consigam arranjar uns trocos extra no turismo.
    É este o sonho de Pedro Passos Coelho e dos fanáticos neoliberais da sua corte. O acordo tácito e inconfessado que não nos é divulgado, de fragilizar as pessoas, de fazer que muitos de nós emigrem, de privatizar os recursos e vendê-los ao desbarato. Eles estão no caminho certo, estão a ser bastante competentes e eficazes na sua missão. Cabe-nos a nós inverter esse rumo, evitar que o futuro se transforme em lixo e o país numa República Dominicana da Europa.

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