O fim da “utopia” federalista

Uma das mais importantes consequências das recentes eleições europeias é o fim da “utopia” federalista.

Não haverá eurobonds, o parlamento Europeu não terá mais poderes, não haverá mais “democracia europeia”, o orçamento da UE não irá aumentar, não haverá mais solidariedade entre estados-nações nem muito menos maior redistribuição de recursos entre as diferentes regiões da Europa… Provavelmente, também não haverá mais resgates para países que se confrontarem com graves crises de financiamento nos mercados internacionais (tal como aconteceu com a Irlanda, Grécia ou Portugal). Sintetizando, não haverá um reforço da “legitimidade” democrática das instituições Europeias, nem se irá caminhar para um futuro “governo europeu” que responda com políticas próprias e unificadas à actual crise política, social e económica.

A disputa em torno da nomeação/eleição do sucessor de Durão Barroso é bem representativa do mar de contradições em que se encontra a União Europeia. É bom lembrar que nos meses que antecederam estas eleições houve todo um circo à volta dos “candidatos à Comissão Europeia”. Primeiros ministros, instituições europeias, imprensa e muito do aparato do regime propagandeou a ideia de que desta vez as eleições europeias iam servir para alguma coisa, desta vez seria o parlamento a nomear o presidente da comissão europeia! Era, mas já não vai ser… afinal era tudo a fingir, afinal foi tudo um gigantesco embuste.

União Europeia, um poço de contradições irresoluveis

União Europeia, um poço de contradições irresoluveis

A realidade é que são os chefes de estado no conselho europeu a decidir o sucessor de Barroso e serão os chefes de estado dos países mais influentes a tomar essa decisão. Sempre assim foi, mas houve períodos em que pelo menos se tentava criar a ilusão de que as decisões eram tomadas em nome do bem comum da “Europa”… Agora não, os estados-nação assumem de forma explícita que sãos os seus interesses nacionais que devem definir o futuro da própria União… Os artigos abaixo são fontes razoáveis para se perceber o que está em jogo:

David Cameron in new bid to stop Jean-Claude Juncker
Jean-Claude Juncker: everyone loses as Europe struggles to fix a fiasco
The Democratic Deficit: Europeans Vote, Merkel Decides
Opinion: Europe’s Juncker Bond

A disputa ainda não está resolvida, mas torna-se cada vez mais claro que:

  • Vários estados-nação querem bloquear qualquer tentativa de reforçar os poderes do parlamento europeu e das instituições transnacionais da União. Independentemente do candidato ao cargo, existe uma oposição de princípio a que o poder de definir a composição e orientação política da comissão europeia esteja nas mãos do parlamento europeu.
  • Vários chefes de estado estão contra a nomeação de Junker por este ser demasiado federalista. 
  • A Alemanha poderia ter forçado a eleição de Junker e empurrado decididamente a União no caminho da federalizarão. Mas aconteceu o contrário, vários estados membros queriam forçar a eleição de Junker mesmo com a oposição do Reino Unido, da Hungria e da Suécia. Foi a Alemanha e Merkel quem impediu a concretização desse braço de ferro, ao fazer isso Merkel colocou-se de facto ao lado dos “eurocéticos”.  A Alemanha, a burguesia Alemã, não quer uma maior integração Europeia. A burguesia Alemã não quer adoptar uma política redistributiva a nível Europeu, ou seja, não quer pagar uma espécie de “estado social europeu mínimo”. A Alemanha beneficiou com a actual crise e com os equilíbrios que foram emergindo dela. A Alemanha quer manter o status quo actual. A burguesia e elite políticas alemãs adorariam que a crise perdurasse ad eternum e se mantivesse a níveis semelhantes aos dos últimos 3-4 anos.
  • A grande questão é que o status quo é insustentável, a crise não se irá cristalizar no actual estado. A crise está a corroer as instituições europeias e a transformar de forma radical o mapa político na Europa e em cada estado-nação. Ao tentar manter o status quo e apaziguar um Reino Unido eurocético Merkel pretende comer o bolo e ficar com ele. Não vai dar, A União vai perder o Reino Unido na mesma e vai sair ainda mais fragilizada de tudo isto.
  • A forma como a Alemanha foi menorizada (e menorizou-se) na questão Ucraniana e esta crise sucessória na Comissão Europeia demonstram os limites do poder Alemão. Embora ainda seja um bocado cedo para ser categórico, parece-me que o apogeu da hegemonia Alemã-Merkeliana sobre a Europa já terminou.
  • Desde o início da crise muitos comentadores de vários matizes afirmaram que ou ocorreria um reforço da integração Europeia, ou então a União iria entrar em desagregação. As perspectivas a curto e médio prazo apontam para a última hipótese, um cenário de desintegração. O que para qualquer observador lúcido e informado seria sempre o cenário mais provável.

Em Dezembro de 2013, Durão Barroso fez um discurso em que disse “Those young people on the streets of Ukraine amid freezing temperatures are writing the new narrative for Europe.” Traduzindo é mais ou menos isto, “Sob um frio imenso, aqueles jovens nas ruas da Ucrânia estão a escrever a narrativa para uma nova Europa”… e sabem que mais, Durão Barroso tinha muito mais razão do que pensa… de facto, aquilo que hoje se está a passar na Ucrânia é um vislumbre de muito do que se irá passar na Europa…

No que acima escrevi não há uma tomada de posição ideológica vincada ou uma formulação de juízos de valor acerca dos processos em curso. O que acima fiz foi sublinhar alguns factos que me parecem da máxima importância para quem quer debater de forma séria este tema. Sou da opinião que qualquer tomada de posição política e decisão quanto à estratégia a seguir deve ser sempre precedida de uma compreensão o mais correcta possível da situação real e correspondente correlação de forças. Este é um cuidado que tento sempre ter quando falo da União Europeia e do Euro (Lições para Portugal, a discussão à volta do Euro e da UE).

Pelo contrário, quem formula teses com base nos seus desejos e em abstracções está condenado a ver essas teses refutadas pela praxis. Exemplo máximo disso em Portugal é o “reformismo de fachada anarca” (ver aqui e aqui). Perante o colapso total do seu “pensamento mágico” pró-União Europeia essas luminárias procuram refúgio no insulto fácil e na fuga à realidade… Felizmente estão cada vez mais sozinhos nas suas “divagações místicas”.

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10 respostas a O fim da “utopia” federalista

  1. anonimo diz:

    Não era só a Alemanha que queria comer o bolo e ficar com ele. Nós queríamos mais federalismo, mais orçamento comum, mais redestribuição e ao mesmo tempo, manter a nossa soberania, poder de decisão, instrumentos orçamentais autónomos, …. Isso era impossível, e agora nem sequer há escolha: o federalismo é impossível porque afinal, ricos e pobres, ninguém quer perder demasiada soberania, nem sequer a troco de (uma potencial) redestribuição (no caso dos “pobres”). As nações existem e querem continuar a existir de forma autónoma. É necessário agora realismo: as negociações fazem-se ao nível dos governos (tudo o resto é desperdício de dinheiro em ilusões federalistas), e a solidariedade é a possível através de fundos comunitários limitados e estabelecidos de comum acordo (ainda assim Portugal é um beneficiários líquido). É com esta realidade que temos de viver.

  2. Argala diz:

    Os pândegos da “cidadania governante” e de outras pessegadas tentam um truque soez: a Marine Le Pen é a favor da saída da UE, a Marine Le Pen defende os interesses da burguesia nacional e industrial francesa e um reajuste em relação às posições da NATO.. e portanto, conclusão saloia, nós seremos um bando de fascistóides por qualquer confluência de posições. Boa tentativa. Ide passar por cordel e vender na feira da ladra.

    Qualquer dia a Marine Le Pen vai ao parlamento propor o aumento do salário mínimo e estes imbecis terão, lá está, que votar contra.

    Um outro perdido diz que somos ‘nacionalistas’. Também não percebe que rejeitamos a UE por ser um projecto liberal, pelo seu conteúdo de classe, e não por ser transnacional.

    Em relação ao fascismo. Não vamos cometer os mesmos erros causados pelas teses de 1935 da IC, ou vamos?

    Nós teremos que nos confrontar com os fascistas sem dúvida, já o estamos a fazer, independentemente do campo geopolítico onde estes se situem. mas isso não significa estender a passadeira aos liberais e aliarmo-nos à burguesia. Vejam a coerência destes meninos: para combater o fascismo que está no poder na Ucrânia, não admitem confluências pontuais com a burguesia russa; para combater o fascismo que não está no poder na UE querem que aceitemos as estruturas políticas da grande burguesia europeia. Magnífico.

    Estamos em contra-relógio para meter uma pedrinha na engrenagem do projecto europeu. Já só temos até ao dia 1 de Novembro, Se com os actuais instrumentos, estes meninos conseguiram passar por cima do referendo francês, do referendo holandês: por razões constitucionais não dava para passar por cima do referendo irlandês, portanto mandaram repetir. A promessa eleitoral do eng. socas ficou na gaveta – lembro-me de umas declarações do Vitalino Canas, onde este chega a dizer que não se faria o referendo em Portugal porque havia o perigo de o ‘Não’ ganhar. Imaginem, dizia, o que será necessário fazer para sair da UE e destruir o projecto europeu depois de 1 de Novembro.

    Lá porque são os fascistas que estão em condições de bloquear e destruir o projecto europeu, não significa que devamos impedi-los.

    Nós devemos impedir os fascistas de se meter à frente do nosso caminho, e não à frente do caminho dos outros.

    Cumprimentos

  3. anonimo diz:

    É necessário precisar um aspecto: não são só os fascistas a querer bloquear e impedir o projecto europeu. Antes deles, eurocépticos, conservadores e (sim) neo-liberais foram contra este “projecto” europeu. Quem impulsionou e “vendeu” aos cidadãos o projecto europeu foram (e em grande medida ainda são) os sociais democratas, os socialistas e outros partidos de esquerda (com excepção do PCP) em nome de uma suposta solidariedade e redistribuição ao nível europeu que, é agora claro, não vai existir. É este ruir de ilusões e utopias (vendidas essencialmente por partidos de esquerda, repito) que está agora na base do protesto eleitoral nas europeias.

    • Francisco diz:

      Um comentário que revela alguma ignorância e incorrecções factuais:
      1 – Os Partidos “Socialistas”, social-liberais, foram dos maiores impulsionadores da UE e das políticas que favorecem o Capital na Europa. Mas não estão sozinhos, a direita democrata-cristã e da família do PSD foi e é também um dos grandes baluartes desta “construção europeia”. Junker é conservador e é um dos maiores advogados desta União. Ou seja o que temos foi uma santa aliança do chamado “centrão”.
      2 – Quanto aos PS´s isso não é Esquerda, talvez em tempos tenham sido.. Hoje em dia são como os partidos Liberais do século XIX, ou seja, representam uma facção da classe dominante no jogo da rotatividade… essa facção (tal como os liberais no século XIX) posiciona-se no mercado eleitoral como aquela que escuta mais os “clamores da ralé”. É isso que são os PS´s. Chamar isso de Esquerda é muitíssimo esticado…
      3 – O PCP, o MRPP,o MAS e a muito do que é a Esquerda Comunista e Esquerda Revolucionária sempre se opôs à União Europeia, quer em Portugal, quer no resto da Europa onde existem essas forças. Há uma certa esquerda “radical” (BE, SYriza e outros) que sendo críticos de várias políticas e tratados da União Europeia (muito mais do que qualquer força da direita e excluindo fascistas) aceitaram a existência dessa instituição em si. Ou seja, avaliaram que o melhor para os povos seria uma mudança/reforma da União Europeia, não a sua destruição.
      4 – Sejamos claros, a destruição/desintegração da União Europeia será traumática e trará graves consequências para as populações. A grande questão é que é impossível superar a crise de forma democrática sem quebrar com a União Europeia, não há volta a dar. Por mais dura que essa perspectiva possa parecer é a melhor alternativa e quanto mais rápido for posta em prática melhor. Felizmente parece-me que à Esquerda há cada vez mais gente que se apercebe disso.
      5 – Muito mais do que a partir dos governos nacionais o neo-liberalismo na Europa foi introduzindo a partir da super-estrutura Europeia. As privatizações, desregulamentação, fim de monopólios estatais, fim da intervenção do estado em vários domínios económicos foi tudo feito a partir da UE. Primeiro a UE adoptou essas regulamentações e depois elas foram impostas/adoptadas pelos estados-nação. A ideia da “redistribuição” e o “carácter social” da UE sempre foi propaganda pa enganar o Zé Povinho, algo que os PS´s sabem fazer mt melhor que a direita “clássica”. A UE foi e é o mais importante instrumento do grande capital e do ataque aos direitos e estado social na Europa. O resto são conversas pa iludir ignorantes.

      • anonimo diz:

        “A ideia da “redistribuição” e o “carácter social” da UE sempre foi propaganda pa enganar o Zé Povinho, algo que os PS´s sabem fazer mt melhor que a direita “clássica”.”
        Era este precisamente o meu ponto, mas incluindo aqui “uma certa esquerda “radical” (BE, SYriza e outros) “.

        Ou seja. foi essencialmente a esquerda (o PS, do ponto de vista dos eleitores, é visto como esquerda) que criou a UE e foi vendendo as utopias de que fala. Dito de outra forma, foi o marketing de esquerda (solidariedade, mutualização de dívidas, eurobonds, povo europeu, salário mínimo comum, convergência, …) que convenceu os cidadãos e lhes deu a ilusão que agora se desmorona. Verdade seja dita, a Sra Merkel (para simplificar) sempre disse ao que vinha: nada de mutualização de dívidas, eurobonds, …
        E foi essa agenda liberal que foi sendo construída, à vista de todos, mas só possível porque embrulhada em marketing de esquerda (da esquerda como é vista pelos eleitores: PS e BE).
        Conclusão: é preciso cuidado com as utopias que nos vendem porque podem não passar de marketing.

  4. AConaDaMãeTemAsasMasNãoAvoa diz:

    Eu boto no sinhore esquentador Junker.Tenho uma ganda fé nele,inté pruque gosto me lavar de quando em bez cum àgua quemte!

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