E se acontecesse em Portugal?

O Nuno Ramos de Almeida fez há uns tempos um interessante exercicio sobre a situação ucraniana. Consistia em fazer uma descrição tipica dos mainstream sobre o que se passa a leste, sem referir nenhum denominador, chegando á conclusão que a situação prévia aos motins (oligarguias corruptas, governos mono-colores, falta de legitimidade democrática, ausência de apoio popular), facilmente poderia ser a situação portuguesa (quem diz portuguesa, pode facilmente nomear a grande maioria dos países europeus com programas de ajustamento hardcore ou softcore).

Nesta mesma linha de raciocinio, gostaria de explorar esta ideia de um “e se acontecesse em Portugal”, transpondo alguns pontos da situação ucraniana. Em alguns pontos pode ser caricatural, mas creio que pode ser um exercicio interessante.

Imaginemos que ontem a manifestação dos agentes de segurança tinha descambado, um sector mais extremista tinha conseguido convencer uma esmagadora maioria dos manifestantes e tinham subido a escadaria. Não contentes com esta “conquista”, entravam portas adentro da Assembleia da Republica e ocupavam-na. Criavam barricadas, exigiam a demissão do Governo. Imagine-se também que alguns dos mais activos ocupantes tinham ligações à extrema direita (tinhamos que imaginar que a nossa extrema direita tinha mais de dois neurónios e consguia organizar-se). Se as exigências iniciais começavam com a exigência da queda do governo, com o arrastar da situação, vários lideres europeus de partidos extremistas visitavam o nosso país. Vários ministérios eram ocupados. No terreiro do Paço, amontoam-se carros em chamas, barricadas com pneus e outro entulho.

Dirigentes da Frente Nacional e do Aurora Dourado fazem discursos junto com dirigentes do PNR perante uma multidão. Sindicalistas e comunistas começam a ser perseguidos. No Porto, o edificio na Avenida da Boavista tem barricados vários camaradas, perante as tentativas de invasão reiteradas. Um pouco mais abaixo, numa transeversal à Avenida da Boavista, a sinagoga é incendiada e saqueada. Outras sedes de partidos são invadidas. Passos Coelho é deposto, o Palácio de Belém também se encontra sob a guarda de milicias de extrema direita. Cavaco foge para a Quinta da Coelha. Os partidos na Assembleia da Republica são obrigados a eleger um novo governo. Mário Machado é designado como secretário de estado da Administração interna. Até chegarmos aqui, muita gente se juntou. Muitos determinados em que o governo caísse, deixaram-se guiar pelo PNR. Houve snipers de milicias a matar civis e policias na Avenida da Liberdade, houve ordem do governo para disparar sobre manifestantes.

Acampamentos ciganos são desmantelados em Barcelos e os residentes são levados por uma multidão em furia. O Bairro da Bela vista é patrulhado diariamente por milicias e os suspeitos (basta serem pretos) são espancados e obrigados a recolherem-se em casa. Os novos governantes são eleitos numa assembleia popular com skinheads armados a observar a assembleia. Membros das milicias entram e saem do Parlamento com total à vontade, dando indicações aos partidos de quem aceitam e de quem não aceitam. Exige-se a ilegalização do PCP em primeira instância, mas muitos defendem a ilegalização de todos os partidos. Cavaco foge para Espanha e pede asilo ao Rei Juan Carlos. A quinta da coelha é aberta ao publico e torna-se local de peregrinação…

Bem sei que é uma caricatura, e por ventura redutora (essa é uma caracteristica das caricaturas) mas se pensarmos se tivesse acontecido em Portugal, com os nossos actores politicos e com as nossas cidades, talvez a nossa perspectiva do que se passa na Ucrânia fosse um bocadinho diferente.

 

Esta entrada foi publicada em 5dias. ligação permanente.

4 respostas a E se acontecesse em Portugal?

  1. anonimo diz:

    “… talvez a nossa perspectiva do que se passa na Ucrânia fosse um bocadinho diferente”

    Independentemente da nossa perspectiva, a história recente (Iraque, Afeganistão, Síria, …) demonstrou já que este tipo de problemas tem de ser resolvido, antes de mais, pelos próprios. Intervenções externas (venham de onde vierem e justificadas com que pretexto for) simplesmente não resolvem os problemas (no caso Sírio parecia já estar aprendida a lição, nomeadamente pelo Ocidente). Porque os problemas são muito complexos (não existe preto e branco, “os neo-facistas e os outros”) e porque só as populações locais têm legitimidade absoluta para os resolver. Por muito boa vontade (na melhor das hipóteses) que tenhamos para intervir, os problemas não se resolvem do exterior. Nunca. O que parece é que se isso só é claro quando os intervencionistas são os EU e as coisas parecem “turvar-se” quando se trata da Rússia a intervir.

  2. imbondeiro diz:

    Se acontecesse? Ó meu caro amigo, mas já aconteceu! Só que cá não foi necessário inundar supostas ONGs de milhões de dólares, nem houve precisão de montar uma operação logística para distribuir armas a netinhos do III Reich: bastou uma “forcinha” dos órgãos de comunicação amiguinhos e toda a gente se foi acolher sob a asa protectora da Troika.
    Quanto ao hipotético cenário por si tão bem redigido, ele nunca poderia acontecer, pois o meu caro amigo esqueceu-se de um crítico factor que, de antemão, deitaria por terra a sua saborosa especulação: o peso intransponível da transumância geopolítica. Confuso? Não esteja… Faça uma experiência: reuna uma alcateia de lobos facinorosos em Portugal (ou em qualquer outro país membro da NATO) e leve-os, por terra, até à Ucrânia. Vai constatar que, quando lá chegar, os raivosos lobos num ápice se transformarão (Milagre!!!) num cândido rebanho de ovelhinhas.

  3. Isabel diz:

    Esta é a melhor comparação que li sobre os acontecimentos. Muitos parabéns. Comentários como este é que deviam estar na televisão para toda a gente, e não aqueles do costume.

  4. Carlos Carapeto diz:

    Para o nazi/fascismo se instalar em força aqui na Europa só falta conquistarem um dos grandes países. Porque os pequenos países a leste estão todos tomados já por eles.

    Estejam atentos aos desfiles dos veteranos das SS Waffen no dia 16 na Letónia.

    Fazem aqui o mesmo que já a fazer na Polonia e noutros países, quem se atrever a aparecer com um simbolo de esquerda na rua é preso e julgado.

    Na Hungria o ano de 2013 foi dedicado à reabilitação do nazi aliado de Hitler, Miklos Horthy.

    O capitalismo que está a dominar a Europa é de tendencia nazi.

    É lamentavel que pessoas como Ana Gomes se sintam bem ao lado dessa escumalha.

    Na Holanda, na Alemanha, em França é preocupante o recrudescimento dos partidos nazis.

    Bem, os nazis já não são nazis na linguagem dos meios de comunicação, são naciolaistas, e os comunistas passaram a ter o rótulo de extrema esquerda.

    Quando se iniciaram os protestos comandados por o capitalismo na Ucrânia, Ziuganov Secretário Geral do Partido Comunista da Federação Russa disse isto.

    “A trágica experiência da Europa mostra que o empobrecimento do povo é a terra fértil em que amadurecem as forças mais sombrias do fascismo. No entanto algumas forças ditas pragressiastas até aqui têm sido incapazes de aprender as lições da história. Não podemos ficar indiferentes ao aumento de manifestações de elementos de tendência fascistas na Europa”

    Está-se a repetir aquilo que se passou na Alemanha na década de 20 do século passado.

    Leiam de Kurt Grossweller “Hitler Ascenção Irresistivel”

    É assustador. E hoje não temos uma União Soviética para sacrificar 26 milhões dos seus habitantes para nos salvar.

Os comentários estão fechados.