Ciência em Portugal

(texto do João Carvalho recebido via Facebook que aqui reproduzo)

Acabo agora mesmo de ser informado que o Governo cedeu aos protestos e irá alocar mais 12 de milhões de euros no orçamento da Fundação da Ciência e Tecnologia, os quais permitirão financiar mais 300 a 350 bolsas. Ficamos por saber como este número de bolsas permitirá ultrapassar os cortes de 40 por cento nas bolsas de doutoramento e de 65 por cento nas bolsas de pós doutoramento. O Governo procura assim esvaziar a onda de protestos que abanou a estrutura científica nacional e beliscou o já bastante fragilizado Ministro da Educação e Ciência, Nuno Crato. Não importa aqui apresentar uma análise aprofundada da política científica deste governo, porque no fundo a mudança do paradigma de construção civil para um modelo de exportação continuará a ser baseada em salários baixos (dantes para que os custos das obras públicas não derrapassem para valores ainda mais insustentáveis, hoje para competirmos directamente com as zonas litorais da China). Consequentemente, a inovação tecnológica e o aproveitamento do capital humano entretanto desenvolvido não constam deste programa.

No entanto, de perplexidade é a minha reacção ao ter conhecimento dos eventos ocorridos na última reunião do Conselho Nacional da Ciência e Tecnologia (CNCT) através de um artigo de opinião publicado no Público por José Malheiros (18/02/2014). Neste artigo, o autor descreve as pressões exercidas pela Secretária de Estado da Ciência e Tecnologia, Leonor Parreira sobre o Conselho Nacional da Ciência e Tecnologia para que este órgão alterasse o comunicado onde apresenta uma forte preocupação com o corte das bolsas científicas providenciadas pela FCT em 2013. Embora nada seja de espantar num Governo e num Ministério que já manifestaram uma incompetência sem limites, continua-se a aguardar uma reacção pública do Coordenador do Conselho Nacional da Ciência e Tecnologia, Professor António Coutinho.

No Reino Unido, os cientistas desafiam e questionam o poder político em nome do rigor científico e bem-estar da nação. No actual contexto de cheias, diversos cientistas vieram a público acusar o Governo Britânico de ter ignorado os avisos transmitidos pelas universidades e dos cortes orçamentais terem reduzido drasticamente a eficiência dos programas de prevenção destas catástrofes nacionais. Em Portugal, o Coordenador do Conselho Nacional da Ciência e Tecnologia informa os jornalistas que apenas admite a realização de entrevistas por escrito sobre o comunicado emitido e sobre as alegadas pressões exercidas sobre o CNCT. Motivo? Este membro da comunidade científica nacional não deseja alimentar confusões entre a sua imagem pessoal e uma posição colectiva do órgão consultivo do qual é o coordenador.

Quarenta anos depois do 25 de Abril, esta atitude infeliz revela uma face da ciência Portuguesa onde prevalece uma subserviência perante o poder político, desprovida de independência intelectual e capacidade crítica. Estes traços gerais reflectem a importância colocada sobre os interesses particulares em prejuízo das responsabilidades inerentes ao conhecimento científico de forma a contribuir para o desenvolvimento de Portugal. Uma atitude mais coerente seria exigida por parte do Coordenador de um órgão que supostamente assume: “a defesa dos valores da Ciência e da importância estratégica essencial da ciência e tecnologia”. Caso contrário Sr. Coordenador, apresente a sua demissão do cargo que não deseja exercer publicamente e dê assim o seu contributo para o desenvolvimento da ciência em Portugal. Por fim, o comunicado enviado pelos membros do CNCT a negar a existência de pressões indevidas por parte da Secretária de Estado recordam me uma máxima da série Britânica: Yes, Prime Minister: “nunca acreditem num rumor, até este ter sido oficialmente desmentido”. Portanto, faço minhas as palavras de José Malheiros no artigo de opinião publicado no dia 25/02/2014 e agradeço lhe o seu contributo para o debate sobre o estado da ciência em Portugal.

Dr. João Carvalho
Research Associate
GOVCOPP
Departamento de Ciências Sociais, Políticas e do Território
Universidade de Aveiro

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