A vergonha não é roubar, mas sim, ser apanhado a fazê-lo. Esta frase tem ecoado em mim desde que me apercebi da adulteração dos factos que tem vindo a ser feita desde a crise do subprime de 2007. De autores confessos do crime a meras vítimas do despesismo do Estado e motores da retoma económica foi um pulo. Pensar que a crise das dívidas soberanas não está relacionada com o crash do mercado imobiliário nos EUA só pode ser um exercício de ingenuidade, ou pior, de desonestidade intelectual.
Desde a década de 1980 que o capitalismo financeiro tem vindo a maximizar e a impor o ritmo do mercado global. A regulação e a supervisão foram esmorecendo nas mãos de nomes muitas vezes associados à prosperidade estadunidense como Larry Summers, Rubin ou o ex-presidente da Federal Reserve Alan Greenspan. Curiosamente, os obreiros da progressiva e radical liberalização dos mercados que derrubaram a principal lei que impedia a especulação desenfreada – Glass-Steagal – e permitiram a concentração do capital em poucas instituições financeiras que, mais tarde, levaram à explosão da bolha dos derivativos ou CDO’s. O resto da história já é de conhecimento geral com os Estados a salvar os bancos, nacionalizando apenas os seus prejuízos, até estes chegarem a terra firme após o naufrágio. Depois o espirro levou à pneumonia europeia, cuja Comissão instigou os seus membros a investirem e a gastar recursos para fazer face à recessão e ao desmoronamento da banca. Os bancos salvaram-se à custa do dinheiro de trabalhadores, dos seus impostos, das negociatas e da pré-disposição dos governos para pagar títulos de dívida com mais dinheiro emprestado. E se possível buscando liquidez ao BCE a juros irrisório para cobrar ao Estado juros muito superiores.
Agora dizem-nos que vivemos acimas das nossas possibilidades, como se o capitalismo não necessitasse do crédito para crescer numa economia onde os salários são miseráveis e a taxa média de lucro se alimenta da redução dos custos de trabalho, i.e. salários. O jargão da exportação elogia a ousadia dos empresários e esquece o assalto aos direitos laborais. Mas diga-se, uma exportação financiada pela banca. Aquela que diz “aguenta, aguenta” porque necessita da liquidez troikista, a que elogia os esforços do governo porque se deparou com a falência ou a que lucra com parcerias público-privadas e depauperação dos serviços públicos para entrar nesse mesmo sector. Até mesmo aquela que se envolveu no Portucale ou no Angolagate. Não há limite para suportar múltiplos bancos de deus – e não falo no do Vaticano. E que dizer do BPN que se alimentou dos recursos públicos para ser vendido por uma ninharia ao BIC, sendo detido por uma holding que passou incólume e agora até mudou de nome para Galilei? Poucos foram condenados mas o governador do Banco de Portugal naquele período até foi promovido a vice-presidente do BCE e o Dias Loureiro até é conselheiro político do primeiro-ministro. Diante de tais factos, não sei se considere promiscuidade ou comunidade. Classe, certamente.
Chamaram lixo tóxico aos produtos derivados que especulavam os títulos imobiliários de famílias carenciadas e chamaram lixo a várias dívidas soberanas; esqueceram-se porventura de referir que também nos olham e tratam da mesma maneira. Meus caros, o lixo a quem de seu. Tenho a certeza que os banqueiros reconhecem o cheiro.
(de 24 a 28 de Dezembro, deposite o lixo nos bancos – Acção de solidariedade com a greve dos cantoneiros de Lisboa.)
Um perclaro texto de Frederico Aleixo.
Dá gosto.Sente-se o raciocínio, a limpidez,a substancia. Apercebemo-nos do apontar do tiro, do expurgo do que é supérfluo, da síntese notável, do rigor quase que matemático.
A clareza a que se associa a irrefutabilidade dos factos.E o prazer da leitura,sempre.
Que venham mais
Muito obrigado, caro De. É bom saber que escrevo e sou alvo da atenção e crítica dos leitores de esquerda que estão connosco nesta viagem turbulenta. Continue a visitar-me que muito agradeço. Os textos não poucas vezes continuam nas palavras dos que nos visitam. Grande Abraço.
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Sendo os Estados os responsáveis pela desregulação que libertou a selva financeira, que tendo todo o poder os seus agentes só o usam para nele se manterem, a que propósito vai o lixo para os bancos e não para os Parlamentos onde treteiros compram votos a qualquer preço prometendo paraísos com dinheiro que em final vão mendigar à finança internacional..
Ora aí está um comentário delicioso.
A fazer de conta que os bancos e os “estados” são coisas tão tão independentes que não têm nada a ver uns com os outros.
Talvez uma nova ( ou uma primeira) leitura do texto ajude a iluminar Menos.
Isso e umas leituras sobre estas questões do poder económico , do poder político, das suas relações e do papel do estado.
Marx ajudaria e muito.Mas não só, definitivamente não só.
Marx é pau para toda a colher, mas no essencial serve para dizer:’se tudo fosse diferente, tudo seria diferente’ o que é a razão mais eficaz para fazer coisa nenhuma de útil e apregoar uma razão que é tão segura como tudo o que é do domínio da fé!
É uma espécie de bosão ideológico à espera de uma realidade que o demonstre!
Mais uma vez Menos foge dos disparates com que nos brindou na sua defesa primária e hilariante dos banqueiros e dos bancos.
Foge para o mundo das patículas elementares e também aqui se vê que Menos navega sem saber o que diz ou porque o diz.Claramente os seus objectivos são outros.
Vejamos.O bosão não está à espera que nenhuma “realidade” o demonstre. O Bosão foi predicto nos anos 60 e a sua existência foi provisoramente confirmada já este ano.Não é “uma realidade” que demostra a existência do Bosão.Ele existe ( ou não ) , a sua existência foi teorizada previamente, faltando, como acontece na Ciência muitas vezes, a confirmação dos modelos teóricos. A menos que Menos queira por “realidade” exprimir a confirmação real da sua existência mas isso é uma linguagem elementar. Tanto mais que parece mesmo que a “realidade” (assim designada por Menos) confirma a existência do Bosão ( era melhor falar no plural, mas enfim).
A extrapolação para o campo marxista torna-se assim (infelizmente para Menos) verdadeiramente empolgante.Ou seja o Bosão não esteve à espera da “confirmação da sua existência” para que fosse teorizado. Mais : os dados estavam lá´para se ter chegado ao Modelo Padrão das partículas.A experimentaçãp ( a “realidade” na linguagem de Menos?) parece que de facto confirma a sua existência.
Ora nesta escala comparativa o Marxismo sai muito elogiado (domage).Porque não estamos no domínio da fé , como beatamente Menos nos quer fazer crer, mas estamos no mundo exactamente oposto.
Deve causar verdadeira repulsa a Menos ouvir ler a cada instante que Marx tinha razão em muito do que escreveu.Por exemplo no ano de 2008,durante a chamada crise do sistema financeiro,dizia o próprio ministro alemão das Finanças Peer Steinbrück fazendo uma referência a Marx no contexto da tal crise financeira.
«Certas partes da teoria de Marx tornam-se agora verdadeiras»,
Um germanófio como Menos ouvir tal da boca de um alemão deve de facto deixá-lo à beira de um estado de nervos, o que pode justificar em parte as suas vacuidades (dele,Menos) argumentativas a respeito de Marx.
Confirma-se: não é ciência, é pau para toda a colher…
Humm.
Muda o ano e Menos não muda.
Vejamos: perante um post de uma clareza notável ( a apreciação é minha) Menos esbraceja e passa a defender uma espécie de tese sem pés nem cabeça, indicador que nem lê o que se escreve. Como é hábito investe da forma que investe sempre que é posta em causa uma das cabeças da hidra.
Volta-se depois para Marx..Tenta fugir ao apontar dos seus disparates escritos sobre os pobres dos bancos,Ao mesmo tempo faz aquilo que tenta, a saber,afastar-se mais um pouco do verdadeiro tema do post.
Vai de volta e volta-se para a física das partículas.Fala com a ligeireza própria de alguns charlatões. Apontado o facto, registado o seu incómodo perante Marx, a Menos mais não resta do que isto que resta – a fuga.
E nesse processo repete, qual personagem de literatura que me abstenho de citar, um seu estribilho onde se tenta acoitar.
🙂
Camaradas; desejo um bom ano a todos.
Se no ano que entra os nossos inimigos não se renderem temos que intensificar a luta.
Ter ininigos já é um bom começo de ano, para quem a luta é a razão de existir!
A defesa sublimiar do consentir e calar sempre me fez espécie.
(Travestida de que veste seja..Mesmo que com a simplificação germanófila habitual).
Um bom ano Novo Carlos, extensivo ao autor do post e a todos os que se negam a aceitar este status quo duma sociedade podre e tão desigual
Obrigado, Carlos Carapeto.
Faço votos que as lutas de 2014 sejam, acima de tudo, consequentes. Bom ano para todos os que moram nesta barricada. Como não pode ser bom para ambos os lados, para o outro lado nem sequer desejo nada.
Então e a “esquerda” do PS não era o António Costa? E então o Carvalho da Silva não apoiou o António Costa desde a sua primeira eleição? E depois vêem falar de congressos das alternativas, aula magnas e sucedâneos…. Ora porra para estas agremiações pequeno-burguesas!
É preciso que a classe operária, os trabalhadores e os pobres da cidade e do campo se organizem como movimento independente destes canalhas que se dizem “notáveis” de “esquerda”. E as organizações operárias existentes têm deixar de dar uma no cravo e outra na ferradura. Não há constituição que nos salve, quando a encruzilhada está entre ser escravo ou ser revolucionário. E que se fodam todas as instituições burguesas! Todas sem excepção!