Sou contra a praxe, acho-a meio tótó e sobretudo ela transporta em si uma dose de um ingrediente que creio totalmente desnecessário na vida em qualquer momento – a humilhação. A praxe tem muitas razões de ser, entre elas, uma sociedade com óbvias dificuldades de relacionamento pessoal, mediado sempre por relações de poder e competição e não de uma negociação, de afectos, de conhecimento e de força, entre iguais. Em vez de nos construirmos socialmente com o outro – o que implica muita maturidade e cedências -, somos esmagados até que chegue a nossa vez de esmagar.
Sou porém a favor de rituais – a praxe também invadiu as universidades porque a esquerda num sentido lato, uma certa cultura de esquerda, abdicou de construir programas culturais, que necessariamente implicam também rituais, sociais, implicam, na verdade até alguma hierarquia, com base em respeito, que qb, é saudável.
Bom, mas isto é irrelevante, é apenas uma opinião pessoal. O que me preocupa seriamente é o apelo que vejo de tanta gente de esquerda – agora face a uma foto em Beja onde os caloiros estão cheio de lama – para que os reitores actuem. E que tal chamar a mamã em vez do reitor? É que chamar pela mãe é uma declaração de cobardia mas ao menos é individual, não nos leva a todos por arrasto. Pelo menos assim ficam com a figura de urso só para vocês em vez de nos darem de bandeja o Estado que cada vez mais se mete em tudo o que não deve (comportamentos, atitudes) e sai de tudo o que deve (saúde, educação).
Uma opinião equilibrada, sensata e muitíssimo realista. Os meus parabéns.
Contra o “nanny State”, uma voz que embala. Obrigada RV.
🙂 Excelente essa do «nany state», não conhecia.
Cara Raquel Varela, não percebo porque é que não assume a crítica ao post que lhe precede, no lugar de dar mero seguimento a uma opinião, para mais não identificada (e isto sou eu a presumir, dado o itálico que utilizou). Discordo do que propõe porque as situações retratadas são casos de polícia, ponto final. Parabéns ao Bebiano e ao autor do texto pelo júbilo machista – que homenzinhos que ele são (e se o autor não é homem, machista é-o certamente). Sucede que em boa parte dos casos a violência é exercida sobre os mais fracos, normalmente sem recurso a ajuda dos seus pares. Estará a sugerir milícias anti-praxes dedicadas a exercer este tipo de [contra]violência? Não é mais salutar exigir 1) que estas acções sejam reconhecidas como crime público, e 2) que os seus responsáveis sejam alvo de acção disciplinar pelo organismo pelo qual pretendem zelar (ou seja, acabou o tapete de ‘tradição académica’). Por último, lá tinha que ver a esquerda e o queixume sobre as suas responsabilidades naquilo que é abjecto por culpa própria. Não foi a esquerda que produziu este complexo neandertal-universitário. Lamento, mas a quem procura “queimas das fitas” com bebedeiras de 36 horas, a esquerda não tem nada a oferecer, e é bom que assim seja. Nunca fui praxado, e também não fui obrigado a tal. Não foi por isso que deixei de participar nos rituais iniciáticos, mas convenhamos, no que diz respeito às praxes: não fazem falta nenhuma.
Concordo. E que acha da proibição do piropo??
Eu acho que qualquer dia nos proibem de falar. E, a nós homens, de ter tusa: isso é machismo.
José Mário Neves
Extraordinário! Estou de acordo consigo!
Engraçado, num mundo de direita (socialmente, economicamente,…), a “esquerda” é sempre o bode expiatório até para gente de esquerda. Acho isto fantástico. Tudo é desculpa para culpar a “esquerda”. Que se foda esta gente de “esquerda”!
A maioria das pessoas de esquerda (entre as quais não incluo obviamente a camarilha do PS) estão preocupadas com problemas reais e não com este não-assunto da praxe.
“num mundo de direita”
o mundo talvez seja de direita, mas este país é de esquerda.
Que bom poder concordar a 100% contigo em qualquer coisa…
Palpita-me que a querida Raquel Varela não sabe lá muito bem o que é o Estado e qual é o seu papel.
cara raquel,
com todo o respeito que tenho pela tua opinião, ela revela um desconhecimento do que é ser uma criança de 12 anos e ser agredida em nome da praxe no primeiro dia de aulas, ou ter 17 ou 18 e estar completamente sozinha entregue a um maioria de pessoas que exercem o poder duma forma autoritária e violenta. achas que a estudante que foi torturada no instituto de agronomia e amarrada nua a uma árvore coberta de merda durante 24 horas, ao sol, por mais de 15 colegas se pode defender. ou o estudante de arquitectura que foi espancado até à morte, sozinho, numa terra onde não conhecia ninguém. ou destas pessoas que foram cobertas de fezes, humilhadas e torturadas são responsáveis?
como professora convidada de um estabelecimento do ensino superior, a minha responsabilidade como professora e cidadã não termina quando saio da sala de aula.
chamo-lhe responsabilidade social, aprendi-o com o meu pai, que foi professor universitário a vida toda e nunca se demitiu das suas responsabilidades, dentro ou fora da sala.
menosprezar a vida de pessoas que estão em situações de fragilidade, é dum neoliberalismo, dum salve-se quem puder, que pelo que conheço de ti, nada tem a ver com o que defendes.
porque nem tu, nem eu somos exemplo. também a mim me tentaram praxar em coimbra durante 9 meses e eu consegui defender-me. e tive acima de tudo a solidariedade dxs colegas que achavam que a situação era injusta.
mas eu tive uma educação e meios que me permitiam fazê-lo. achar que a maioria das pessoas que pela primeira vez entra numa escola tem essa sorte, é viver numa bolha.
quando fui eleita para a dgaac, por uma lista independente, em coimbra, criei uma programa cultural de recepção axs alunxs do 1º ano, criei uma manual de sobrevivência para estes alunxs, juntamente com todxs xs colegas que comigo estavam. bati-me para que enquanto eu tinha forças e responsabilidade, encontrar alternativas para a barbárie.
eu não defendo o estado opressor, nunca o defendi. todavia não ignoro as responsabilidades que o estado tem, xs reitores, xs professores, xs colegas que estão em posição de poder defender quem está numa situação de fragilidade, que nem tu nem eu, porque somos privilegiadas, sabemos o que é.
é demasiado fácil fugirmos às nossas responsabilidades e não sei como é que isso contribui para a procura de soluções.
é a essa responsabilidade social que eu apelo. não defendo a lei da selva, a lei do mais forte, do que se fodam as outras pessoas porque eu sei-me defender.
é só isso.
Estamos a falar de praxe universitária, em adultos. Se são cobardes têm que chamar mesmo a mamã. Não o Estado.
apenas uma nota, porque acho que não leste: as pessoas da fotografia que estavam a ser torturadas não tinham sido cobertas com lama. foi-lhes atirado urina, fezes, vomitado e por aí adiante.
se achas que isto é aceitável, eu não.
Acho inaceitável, Raquel. Mas acho mais inaceitável o Estado intervir. Lamento mas é o que penso, as nossas falhas sociais, medos, cobardia, não podem ser resolvidas metendo toda a sociedade, todos os poros dela, debaixo das botas de um Estado, capitalista, socialista ou outro qualquer. Por mim a coisa resolvia-se à porrada, como o tal prof universitário fez. Resolve-se com campanhas contra a praxe, lutando mesmo contra os praxista, dialogando, etc. Não se resolve com o Estado.
éH pá! iSTO De apelidar os outros de “cobardes” é mesmo duma arrogância inqualificável! Queria ver-te “andar à porrada” com socos e pontapés – que isto atrás do teclado somos todos uns heróis.
Se o Estado e o Direito não servirem para defender as vítimas, então para que servem?
A minha mãe não é a padeira de aljubarrota! E, se a comunidade (que também pode ser o Estado) não criar regras e mecanismos para evitar e até punir crimes, então teremos o caos! Anarquia é toda uma outra coisa! Não confundamos nabos com grelos (para usar linguagem praxista).
Nunca fui praxado, apesar do estatuto de anti-praxe em meados dos anos 90 ainda não existir na minha Universidade. Posso assegurar que fora de Lisboa ou do Porto (universidades suficientemente grandes para contornar a praxe) e em Coimbra (onde a oposição à praxe tem um longo historial) a invocação deste estatuto pode ter algumas repercussões. A razão para não ter sido praxado deve-se ao facto de ser forte, não ter grandes problemas sociais e já ser mais vivido do que os filhinhos da mamã que me abordavam. Conheço pessoas que não possuíam as mesmas virtudes (ou defeitos) e passaram consideravelmente pior. Quando já não era caloiro, passei a considerar a praxe como uma forma de violência e, sempre que achei necessário, agi em conformidade. Lembro-me de explicar a um veterano que o número de matrículas que ele reclamava ter não o ajudariam a manter o nariz agarrado ao resto do corpo e pratiquei activamente, durante alguns anos, bullying a um veterano que tinha cometido um abuso inqualificável.
Infelizmente, como docente, não posso recorrer à ameaça de violência. Limito-me a ficar irritado quando vejo as pressões sobre os meus alunos para que não invoquem o estatuto anti-praxe. Irrita-me, sobretudo, a vontade de poder manifestada por gente que não possui capacidades de liderança, que é intelectualmente menor e cujo carisma não sobrevive à praxe.
Vendo bem as coisas, a praxe tem muito de esquerda: muito colectivo, muito de vanguarda e os outros, muito tudo igual na desgraça, muito apagamento do individual.
Historicamente, só havia praxe em Coimbra e julgo que era mais coisa de machos e bebedeira do que de parvoeira generalizada como agora é de uso; a veterania que regulava a praxe era gente madura, com alguns casos já a rondar a meia-idade.
E que tal, se em vez da dramatização da praxe, deste contra ou a favor – estratégia cansada e fatigante de eleger uma aparente oposição dialética entre duas coisas para iludir a questão principal- fizesse a única pergunta que deve ser feita: é ou não é a favor de defender os direitos humanos na Universidade? E face a isso, é ou não natural que se peça, exiga aos reitores que façam exercer a defesa dos direitos humanos dos alunos? E repare, eu já não disse: ” de defender que a Universidade seja um lugar onde a defesa dos direitos humanos faz parte de uma aprendizagem”. Não. O bestiário vai tão avançado que não me atrevo a tal, ainda me arranjam uma etiqueta qualquer para desqualificarem o que digo. Não, eu preciso de confrontar esta estupidez com os seus próprios limites. Digo apenas: ” é ou não é a favor de defender o direitos humanos na Universidade?”. Ou, o que é mais grave, será que a Universidade deverá ser um lugar onde se aceita que os direitos humanos possam ser suspensos (como na tropa, como no hospital, como na prisão)? E faço ainda a derradeira pergunta: acha que defender os direitos humanos na Universidade deve ser feito à porrada (eu lembro-me dos idos de 75 em que os liceus eram palco de uma acesa confrontação física por motivos ideológicos) , seja ela física ou verbal? É que colocar as coisas nestes termos é uma grosseira limitação do debate sobre as praxes também: faço uma pergunta mais: acha que o respeito pelos direitos humanos destituiria as praxes de sentido? acha que esses rituais de passagem podem ser enriquecedores, dinamizadores da pessoa, ou só têm sentido se forem uma agressão? E qual é o limite da agressão? Quem estabelece o novo padrão de agressão que apresentará depois a possibilidade de se exigir que a sua denúncia não seja entendida como uma queixinha mas o exercício de um direito? Desculpe-me, não a conheço, mas o que escreveu veio-me parar à folha de couve do meu facebook e o contra senso pareceu-me tão grande que não me contive. 🙂
A senhora Raquel Varela parece-me estar simplesmente a deixar fruir o desejo anarquista que tanto deve ter reprimido, sonhando com esse novo mundo em que se for espancada, torturada ou coberta de merda por uma repressão social, vai acudir-se à mamã uma vez que anula a figura do pai-Estado. Em 1727 D. João V aboliu a praxe porque morreu um aluno. Os tempos mudaram e quando o Diogo Macedo é assassinado por abandonar a tuna, o Estado fez o que a senhora Raquel Varela tanto sugere. A praxe continua, ninguém é julgado. Antes fosse seu filho uma vez que a mamã do Diogo, independentemente de ser de esquerda ou de direito, talvez precise mais ferramentas para lidar com esse “ritual”.
Adoro esta Raquel Varela! É linda e inteligente! :))) Tudo o que sai daquele cérebro para mim é sagrado!
Mas admito que pela primeira vez estou em total desacordo. O Daniel Oliveira escreveu um belíssimo artigo há um ou dois anos:
“Sim, a praxe integra. A questão é saber em que é que ela integra. Porque a integração não é obrigatoriamente positiva. Se ela nivela todos por baixo deve ser evitada a todo o custo. Perante o que é degradante os espíritos críticos distinguem-se e resistem. Não se querem integrar.
Ingénuos, supomos que a Universidade deveria promover o oposto: a exigência, o sentido critico, a capacidade de recusar a tradição pela tradição, a distinção. A Academia que aceita o espírito bovino da obediência está morta. Porque será incapaz de inovar, de pôr em causa e de questionar o resto da sociedade. A universidade que, através de rituais (que têm um significado), promove o seguidismo e a apatia, não é apenas inútil para a comunidade. É um problema para o conhecimento e para a cidadania.
(…) as estruturas universitárias – corpo diretivo e docente – não só toleram como promovem a boçalidade. As autarquias emprestam meios. As empresas de bebidas patrocinam. E até membros do clero vão lá benzer a coisa, perante jovens de caras pintadas ou com penicos na cabeça. Não se trata apenas de um momento de imbecilidade de alguns jovens e adolescentes. Porque é aceite por todos, porque é mesmo assim que as coisas são, foi institucionalizada e parece ser vista por todos como um momento que dá dignidade à Universidade.
Assim, com pequenos gestos simbólicos, se forja a alma de cidadãos sem fibra. Incapazes de dizerem que não. Incapazes de se distinguirem dos demais. A praxe é a iniciação de uma longa carreira de cobardia. Na escola, perante as verdades indiscutíveis dos “mestres”. Na rua, perante o poder político. Na empresa, perante o patrão. A praxe não é apenas a praxe. É o processo de iniciação na indignidade quotidiana. O pior escravo é aquele que não se quer libertar. E que encontra na escravidão o conforto de ser como os outros. Os caloiros que aceitam a praxe não são ainda escravos. Apenas treinam para o ser.
in http://expresso.sapo.pt/-praxe-na-universidade-e-na-vida-integra-te-na-cobardia=f681558#ixzz2ffYVg0je
Não gosto de praxes e não gosto da proibição avulsa. Mas gosto que sejam proibidas as praxes que pôem em causa a saúde fisíca e psicológica dos alunos.
Raquel, ainda há esperança para si ;-))
Vou-lhe relatar um episódio que me ocorreu quando passei pela praxe.
No início as brincadeiras tinham piada e senti que estava a criar uma relação com os mais velhos.
Passado um tempo deixou de ter piada e pedi para eles pararem com as m*rdas.
Eles não pararam.
Assim sendo, um dia (depois de mais uma brincadeira) dirigi-me ao grupo com toda a calma, escolhi o maior deles (muito maior que eu) perguntei-lhe se tinha sido ele. O gajo todo armado em bom virou-se para mim e disse-me “sim, fui eu, porquê?”. Sem lhe dizer mais nada rebentei-lhe o nariz. Os amiguinhos com o choque nem reagiram.
A coragem dos meninos acabou ali. Nunca mais me chatearam.