Há uns meses, não tantos assim, o meu pai estava desempregado. Recebia subsídio de desemprego. Não conseguia encontrar trabalho. A corda apertava mas ainda se respirava, aos bocadinhos pequeninos de cada vez. Comigo na faculdade, o meu irmão na escola e com a minha mãe num call centre. E eu há mais de dois anos sem conseguir encontrar trabalho.
Depois, o meu pai perdeu o subsídio de desemprego. O mundo ruiu, desfez-se, nesse dia. O que a mamã ganhava pagava a casa e não sobrava nada. Eu não conseguia respirar. A perspectiva era, literalmente, perder a casa. Ir (sobre)viver em casa da avó-que-já-se-reformou-mas-ainda-trabalha-para-ajudar-a-família. Nesse mesmo dia, o meu pai recebeu um telefonema a dizer que o iam contratar. As coisas mudaram. Pouco, mas mudaram. Respira-se de novo. A custo, que a corda não saiu do pescoço, mas estamos cá. Mais ou menos na mesma, mais ou menos inteiros. Somos, segundo o Estado, classe média. Apesar de raramente se chegar ao fim do mês a positivo. E não, não há luxos em casa. A não ser as minhas propinas. (Porque estudar é um luxo).
Pergunto-me: se para nós é tão complicado, como será para quem não recebeu um telefonema a dizer que tinha sido contratado? Como será para os milhões que esgravatam, como se fosse um favor, à procura de trabalho? Como será para os pais desempregados, para os avós sozinhos com magras reformas, para as famílias monoparentais de pai ou mãe desempregado?
Eu vi o limbo à minha frente. Toquei-o, cheirei-o. Um mundo de não soluções e de… “vamos lá ver se hoje comemos”.
Agora soube do Nelson, por este e-mail que me chegou hoje:
«Desempregado vai pedir audiência a Cavaco Silva para lhe declarar que não vai pagar impostos
Nota de imprensa
Ao meio-dia desta quarta feira, Nelson Arraiolos irá a Belém com o intuito de pedir uma audiência a Cavaco Silva. O Nelson está desempregado, carece de apoio adequado para a doença degenerativa de que padece e a sua família foi alvo de penhoras ilegais por parte das Finanças que visavam dívidas do próprio. Uma vez que não dispõe de qualquer rendimento, irá anunciar a cessação de pagamento de qualquer imposto.
Assim, agradece-se a todos as senhoras e senhores jornalistas, órgãos de comunicação e cidadãos em geral a divulgação e apoio a este acto de resistência involuntária.
Nelson Arraiolos
926880152»
Pergunto: até quando?
A Constituição da República Portuguesa defende o direito ao trabalho, à segurança social e à solidariedade. Diz que «O sistema de segurança social protege os cidadãos na doença, velhice, invalidez, viuvez e orfandade, bem como no desemprego e em todas as outras situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho.» (Artigo 63.º da CRP). Diz que protege o Nelson.
O Nelson sabe que não se está a respeitar a Constituição, e não se rende. Nem que esteja sozinho contra o sistema. O Nelson, ao contrário do governo, faz jus à Constituição. O Nelson apela ao Artigo 21.º e resiste. E pede que estejamos com ele na 4ª Feira, ao meio-dia, em Belém.
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